terça-feira, 21 de janeiro de 2014

NOVOS APONTAMENTOS

Hilário, aderindo à renovação da palestra, in­dagou da irmã Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achávamos, ao que ela infor­mou, com humildade:

— Não me atribua tamanho crédito. Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora. O nosso educandário guarda mais de duas mil crianças, mas, sob os meus cuidados, permanecem apenas doze. Somos um grande con­junto de lares, nos quais muitas almas femininas se reajustam para a venerável missão da mater­nidade e conosco multidões de meninos encontram abrigo para o desenvolvimento que lhes é neces­sário, salientando-se que quase todos se destinam ao retorno à Terra para a reintegração no apren­dizado que lhes compete.

— E a direção central? — inquiriu meu co­lega, esmiuçador.

— Não reside aqui. O parque é uma das vá­rias dependências de vasto estabelecimento de as­sistência e educação, do qual somos hoje tutelados. No fundo, nossa casa é uma larga escola, dotada com todos os recursos indispensáveis ao nosso apro­veitamento. Os melhores processos de habilitação espiritual funcionam conosco, em benefício dos que vão renascer na carne e dos que se dirigirão, mais tarde, às Esferas Superiores.

- Mas possuem aqui até mesmo os cursos primários de alfabetização?

— Não estranhem. Partilho com Blandina o estudo das leis divinas para renovar-me em espírito, com vistas ao grande futuro, mas o amor que ainda trago por velhos companheiros de luta hu­mana constrange-me a larga demora, em serviço de cooperação, na antiga casa de fé religiosa a que me afeiçoei.

— Aliás — ponderou o Ministro, sensato o auxílio divino é como o Sol, irradiando-se para todos. As instituições e as almas que se voltam para o Pai Celestial recebem o suprimento de re­cursos de que necessitam, segundo as possibilida­des de recepção que demonstrem.

Interessado, porém, nos apontamentos que sur­giam, cada vez mais valiosos, Hilário indagou:

— Em que base se formará o processo de au­xílio nas igrejas? Com o impedimento de nossa comunicação direta, como será possível cooperar em favor dos nossos irmãos católicos romanos?

— Muito simplesmente — esclareceu Mariana, prestimosa —, o culto da oração é o meio mais seguro para a nossa influência. A mente que se coloca em prece estabelece um fio de intercâmbio natural conosco...

— Mas não de maneira ostensiva — alegou o nosso companheiro, estudioso.

— Pelo pensamento — explicou a interlocuto­ra, respeitável. — A intuição beneficia em toda parte, e, quanto mais alto é o teor de qualidades nobres na criatura, mais ampla é a zona lúcida de que se serve para registrar o socorro espiritual. O culto público, indiscutivelmente, qual vem sendo levado a efeito, nos tempos modernos, não favo­rece o contacto das forças superiores com a mente popular. Os interesses rasteiros, conduzidos à igre­ja, constituem sólido entrave contra o auxílio celeste. E a preocupação de riqueza e pompa, quase sempre mantida pelo sacerdócio nos ofícios, inuti­liza por vezes os nossos melhores esforços, por­que, enquanto a atenção da alma se prende a exterioridades, as forças contrárias ao bem e à luz encontram facilidades positivas para a cultura do fanatismo e da discórdia. Ainda assim, supe­rando tais obstáculos, é sempre possível algo fazer em benefício do próximo.

— Durante a missa, por exemplo prosse­guiu Hilário, observador —, é viável o seu trabalho de cooperação?

Mariana fixou uma expressão facial de bom humor e aduziu:

— Somos grandes falanges de aprendizes da fraternidade em ação. Por mais desagradáveis se nos mostrem os quadros de luta, a nossa obrigação é servir.

Finda ligeira pausa, continuou:

- Quando a missa obedece a pura convenção social, funcionando como exibição de vaidade ou poder, a nossa colaboração resulta invariàvelmente nula.

E, sorrindo:

- Que teríamos a fazer num ato bajulatórío, em que os devotos da fortuna material ou da perversidade incensam a desregrada conduta de pes­soas inescrupulosas? Há missas solenes de consa­gração a políticos astuciosos e a magnatas do ouro que, em verdade, são reais sacrilégios, em nome do Cristo. Por outro lado, há missas de almas que constituem escárnio à dor dos que foram recolhi­dos pela morte, quais as que são mandadas cele­brar por parentes ambiciosos que, por vezes, até mesmo se alegram com a ausência do morto, ávi­dos que se mostram de lhes pilharem os despojos, na corrida à testamentos e cartórios. Essas mis­sas fortemente adubadas a dinheiro estão para eles tão frias, como os túmulos em que se lhes asilou a carne desfigurada. Mas, se o ato religioso é simples, partilhado por mentes e corações since­ros, inclinados à caridade evangélica e centraliza­dos na luz da oração, com os melhores sentimentos que possuem, o culto se reveste de grande valor, pelas vibrações de paz e carinho que arremessa na direção daquele a quem é endereçado. Frequen­temente, as missas humildes, realizadas aos pri­meiros cânticos da manhã, são as mais favoráveis ao nosso concurso. Podemos, com mais segurança, articular as possibilidades ao nosso alcance e am­bientá-las a benefício daqueles que esperam de nós o amparo necessário.

Hilário pensou alguns instantes, valendo-se do intervalo que surgira na conversação e obtemperou:

— Possuimos nas igrejas a questão do patro­cínio. Imaginemos que determinado templo foi er­guido à memória de Gerardo Majela. Isso expressa uma obrigação para o grande místico europeu?

— Certamente não se trata de uma obrigação escravizante, mas de um serviço que lhe honra o nome e que merecerá dele certo reconhecimento mesclado de responsabilidade. Devemos reconhe­cer, contudo, que o trabalho do bem, qualquer que ele seja, permanece ligado a Jesus. No entanto, se algum servo do Senhor está ligado a obra por fazer, tanto quanto lhe seja possível desdobrar-se-á para enriquecê-la de bênçãos.

— Mas... e na hipótese de algum santuário surgir, dedicado a suposto herói da virtude? Figuremos alguém da Terra sendo conduzido ao altar por imposição da autoridade humana, sem mérito bastante, à frente do Senhor... Os crentes encar­nados atribuir-lhe-iam poder de que não consegui­ria dispor... Em que situação estaria o templo que lhe fosse consagrado?

Mariana registrou a pergunta, cortesmente, e explicou:

— Numa contingência dessas, mensageiros de Jesus responsabilizar-se-iam pela instituição, dis­tribuindo aí os benefícios adequados aos mereci­mentos e necessidades de cada um.

— E o tipo de assistência? é de renovação espiritual ou de mero socorro aos crentes encarnados?

— Ah! — comentou Mariana, sincera — o trabalho é complexo e divide-se em múltiplos setores. Não está limitado à esfera da experiência física. Inumeráveis são as almas que, desligadas do corpo, recorrem aos altares, implorando escla­recimento... Outras, depois da morte, confiam-se a desequilibradas emoções, invocando a proteção dos Espíritos santificados... É preciso corrigir aqui e ajudar além... Agora, devemos injetar um pensamento reconstrutivo nessa ou naquela men­te extraviada, depois, é imprescindível harmonizar circunstâncias, em favor desse ou daquele necessitado... A maioria das pessoas aceita a religião, mas não se preocupa em praticá-la. Daí nasce o terrível aumento das aflições e dos enigmas.

A lógica de Mariana encantava-nos.

Hilário, porém, prosseguiu indagando, perscru­tador.

— Mas, apesar de consciente da verdade que a separação do veículo físico nos impõe, acredita a irmã que a organização católica é suficiente para conduzir o mundo moderno?

Ela sorriu com tristeza e redargüiu:

— Meu amigo, entre cooperar e aprovar, há sensível diferença. A sociedade ajuda a criança sem infantilizar-se. As igrejas nascidas do Cristia­nismo caminham para grande renovação. O progresso assim exige. As idéias de céu e inferno e os excessos de natureza política, na hierarquia eclesiástica, estabeleceram grandes perturbações para a alma popular. Entretanto, cabe-nos considerar as religiões que envelhecem como frutos fortemente amadurecidos. A polpa alterada pelo tempo deve ser colocada à margem, contudo, as sementes são indispensáveis à produção do futuro. Auxiliemos as igrejas antigas, em vez de acusá­-las. Todos somos filhos do Pai Celestial e onde houver o mínimo gérmen de Cristianismo aí surgirão recursos de recuperação do homem e da co­letividade para o Cristo, Nosso Senhor.

A conversação era fascinante e as perguntas pareciam brilhar ainda, nos olhos de Hilário, maravilhado tanto quanto nós, ante as elucidações que recebia, mas a hora esgotara-se.

Um sinal de Clarêncio fêz-nos sentir que ha­víamos alcançado o momento da volta.

Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

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