quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

CONFLITOS DA ALMA

Voltando à residência de Amaro, ainda conse­guimos observá-lo, fora do veículo denso, em con­versação com Odila, sob o amparo direto de nosso orientador.

A primeira esposa do ferroviário, identificando o marido, provávelmente com o auxílio de Clarên­cio, abandonara Zulmira por instantes e ajoelhara-se-lhe aos pés, rogando, súplice:

— Amaro, expulsa! Corre com esta mulher de nossa casa! Ela furtou a nossa paz... Matou nosso filho, prejudica Evelina e transtorna-te!...

Apontando a enferma com terrível olhar, acen­tuava:

— Porque reténs semelhante intrusa?

O interpelado, muito triste, esforçava-se por dirigir a atenção no rumo de nosso instrutor, mas talvez torturado pelo reencontro com a primei­ra mulher, mal-humorada e enfurecida, perdera a serenidade que lhe caracterizava habitualmente o semblante.

Enquanto junto de nós, versando os problemas de ordem moral que lhe absorviam a mente, sus­tentara calma invejável, com aristocrática pene­tração nos problemas da vida, ali, perante a mu­lher que lhe dominava os sentimentos, revelava-se mais acessível ao desequilíbrio e à conturbação.

Mostrava-se interessado em responder às objur­gatórias que ouvia, entretanto, extrema palidez fi­sionômica denunciava-lhe agora a inibidora emoção.

Situado entre Odila e Zulmira, parecia dividir-se entre o amor e a piedade.

A genitora de Evelina prosseguia gritando, com inflexão enternecedora, no entanto, imóvel, o marido assemelhava-se a uma estátua viva, de dú­vida e sofrimento.

Esperava que o nosso orientador, qual aconte­cera minutos antes com o ferroviário, reconduzisse a mente de Odila às impressões do pretérito, a fim de acalmar-lhe o coração, e cheguei a falar-lhe, nesse sentido, mas Clarêncio informou, bondoso:

— Não, não convém. Nossa história cresceria demasiado por espraiar-se excessivamente no tem­po. É aconselhável nossa sustentação no fio de trabalho nascido na prece de Evelina.

Reparando que o ferroviário manifestava es­tranha aflição, o Ministro acercou-se dele e paternalmente afastou-o de Odila, transportando-o para o leito em que o seu carro físico repousava.

A pobre desencarnada tentava agarrar-se a ele, clamando em desconsolo:

— Amaro! Amaro! não me abandones assim!

O relógio-carrilhão da família assinalava três da manhã.

O dono da casa acordou, abatido.

Esfregou os olhos, sonolento, guardando a idéia de ainda estar ouvindo o apelo que vibra­va no ar:

— Amaro! Amaro!

O abalo do reencontro fora nele muito forte. Na tela mnemônica permanecia tão somente a fase última de sua incursão espiritual — a imagem de Odila, que se lhe afigurava implorando socorro...

Da palestra que alimentara conosco não res­tava traço algum.

Deixando-o entregue à lembrança fragmentária que lhe assomava à consciência como simples so­nho, partimos.

A irmã Blandina solicitava-nos concurso imediato, em favor do pequeno Júlio, que confiara aos cuidados de Mariana, enquanto nos buscava a com­panhia.

Valendo-me da excursão para o Lar da Bênção, indaguei do Ministro quanto a certo enigma que me feria a imaginação.

Esteves, ao tempo da guerra do Paraguai, so­frera tanto quanto Júlio o suplício do veneno. Porque surgiam em ambos efeitos tão díspares? O menino ainda trazia a garganta doente, ao passo que o enfermeiro, vitimado por Leonardo, não pa­recia haver conhecido qualquer consequência mais grave...

Clarêncio, sorrindo, explicou afetuoso:

— Não tomaste em consideração o exame das causas. Esteves foi envenenado, enquanto Júlio se envenenou. Há muita diferença. O suicídio acar­reta vasto complexo de culpa. A fixação mental do remorso opera inapreciáveis desequilíbrios no corpo espiritual. O mal como que se instala nos re­cessos da consciência que o arquiteta e concretiza. Vimos Leonardo Pires com a imagem de Esteves atormentando-lhe a imaginação e observamos Jú­lio, enfermo até agora, em consequência de erros deliberados aos quais se entregou há quase oi­tenta anos, O pensamento que desencadeia o mal encarcera-se nos resultados dele, porque sofre fa­talmente os choques de retorno, no veículo em que se manifesta.

E, à frente das silenciosas reflexões que me absorviam, acrescentou:

— É natural que assim seja.

Atingíramos a graciosa residência de Blandina.

Entramos.

O choro de Júlio infundia compaixão.

Após saudarmos a devotada Mariana, que o assistia com desvelo maternal, o Ministro examinou-o e notificou à irmã Blandina, algo inquieta:

— Estejamos tranquilos. Espero conduzi-lo à reencarnação em breves dias.

— Sim, essa providência não deve tardar —considerou nossa amiga, atenciosa.

Assinalando-nos decerto a curiosidade, de vez que também percebia Hilário interessado em ad­quirir informações e conhecimentos em torno dos problemas que anotávamos de perto, o instrutor convidou-nos a observar a infortunada criança, co­municando:

— Como não desconhecem, o nosso corpo de matéria rarefeita está íntimamente regido por sete centros de força, que se conjugam nas ramificações dos plexos e que, vibrando em sintonia uns com os outros, ao influxo do poder diretriz da mente, estabelecem, para nosso uso, um veículo de células elétricas, que podemos definir como sendo um cam­po electromagnético, no qual o pensamento vibra em circuito fechado. Nossa posição mental deter­mina o peso específico do nosso envoltório espiri­tual e, consequentemente, o «habitat» que lhe com­pete. Mero problema de padrão vibratório. Cada qual de nós respira em determinado tipo de onda. Quanto mais primitiva se revela a condição da mente, mais fraco é o influxo vibratório do pen­samento, induzindo a compulsória aglutinação do ser às regiões da consciência embrionária ou tor­turada, onde se reúnem as vidas inferiores que lhe são afins, o crescimento do influxo mental, no veículo electromagnético em que nos movemos, após abandonar o corpo terrestre, está na medida da experiência adquirida e arquivada em nosso pró­prio espírito. Atentos a semelhante realidade, é fácil compreender que sublimamos ou desequilibra­mos o delicado agente de nossas manifestações, conforme o tipo de pensamento que nos flui da vida íntima. Quanto mais nos avizinhamos da es­fera animal, maior é a condensação obscurecente de nossa organização, e quanto mais nos elevamos, ao preço de esforço próprio, no rumo das gloriosas construções do espírito, maior é a sutileza de nos­so envoltório, que passa a combinar-se facilmente com a beleza, com a harmonia e com a luz reinan­tes na Criação Divina.

Ouvíamos as preciosas explicações, enlevados, mas Clarêncio, reparando que não nos cabia fugir do quadro ambiente, voltou-se para a garganta enferma de Júlio e continuou:

— Não nos afastemos das observações práti­cas, para estudar com clareza os conflitos da alma. Tal seja a viciação do pensamento, tal será a de­sarmonia no centro de força, que reage em nosso corpo a essa ou àquela classe de influxos mentais. Apliquemos à nossa aula rápida, tanto quanto nos seja possível, a terminologia trazida do mundo, para que vocês consigam fixar com mais segurança os nossos apontamentos. Analisando a fisiologia do perispírito, classifiquemos os seus centros de força, aproveitando a lembrança das regiões mais importantes do corpo terrestre.

Temos, assim, por expressão máxima do veículo que nos serve pre­sentemente, o «centro coronário» que, na Terra, é considerado pela filosofia hindu como sendo o lótus de mil pétalas, por ser o mais significativo em razão do seu alto potencial de radiações, de vez que nele assenta a ligação com a mente, fulgurante sede da consciência. Esse centro recebe em primei­ro lugar os estimulos do espírito, comandando os demais, vibrando todavia com eles em justo regime de interdependência. Considerando em nossa expo­sição os fenômenos do corpo físico, e satisfazendo aos impositivos de simplicidade em nossas defini­ções, devemos dizer que dele emanam as energias de sustentação do sistema nervoso e suas subdi­visões, sendo o responsável pela alimentação das células do pensamento e o provedor de todos os recursos electromagnéticos indispensáveis à estabi­lidade orgânica. Ë, por isso, o grande assimilador das energias solares e dos raios da Espiritualidade Superior capazes de favorecer a sublimação da alma. Logo após, anotamos o “centro cerebral”, contíguo ao “centro coronário”, que ordena as percepções de variada espécie, percepções essas que, na vestimenta carnal, constituem a visão, a audi­ção, o tato e a vasta rede de processos da inteli­gência que dizem respeito à Palavra, à Cultura, à Arte, ao Saber. É no «centro cerebral» que possuímos o comando do núcleo endocrínico, refe­rente aos poderes psíquicos. Em seguida, temos o «centro laríngeo», que preside aos fenômenos vo­cais, inclusive às atividades do timo, da tireóide e das paratireóides. Logo após, identificamos o «centro cardíaco», que sustenta os serviços da emoção e do equilíbrio geral. Prosseguindo em nossas obser­vações, assinalamos o «centro esplênico» que, no corpo denso, está sediado no baço, regulando a distribuição e a circulação adequada dos recursos vitais em todos os escaninhos do veículo de que nos servimos. Continuando, identificamos o «cen­tro gástrico», que se responsabiliza pela penetração de alimentos e fluidos em nossa organização e, por fim, temos o «centro genésico», em que se localiza o santuário do sexo, como templo modelador de formas e estímulos.

O instrutor fêz pequena pausa de repouso e prosseguiu:

— Não podemos olvidar, porém, que o nosso veículo sutil, tanto quanto o corpo de carne, é cria­ção mental no caminho evolutivo, tecido com re­cursos tomados transitoriamente por nós mesmos aos celeiros do Universo, vaso de que nos utilizamos para ambientar em nossa individualidade eterna a divina luz da sublimação, com que nos cabe de­mandar as esferas do Espírito Puro. Tudo é tra­balho da mente no espaço e no tempo, a valer-se de milhares de formas, a fim de purificar-se e san­tificar-se para a Glória Divina.

Clarêncio afagou a garganta doente do me­nino, dando-nos a idéia de que nela fixava o objeto de nossas lições, e aduziu:

Quando a nossa mente, por atos contrários à Lei Divina, prejudica a harmonia de qualquer um desses fulcros de força de nossa alma, natu­ralmente se escraviza aos efeitos da ação desequi­librante, obrigando-se ao trabalho de reajuste. No caso de Júlio, observamo-lo como autor da pertur­bação no «centro laríngeo», alteração que se ex­pressa por enfermidade ou desequilíbrio a acompa­nhá-lo fatalmente à reencarnação.

— E como sanará ele semelhante deficiência? — perguntei, edificado com os esclarecimentos ou­vidos.

Com a serenidade invejável de sempre, o Mi­nistro ponderou:

— Nosso Júlio, de atenção encadeada à dor da garganta, constrangido a pensar nela e padecendo-a, recuperar-se-á mentalmente para retificar o tônus vibratório do «centro laríngeo, restabele­cendo-lhe a normalidade em seu próprio favor.

E decerto para gravar, com mais segurança, a elucidação, concluiu:

— Júlio renascerá num equipamento fisiológi­co deficitário que, de algum modo, lhe retratará a região lesada a que nos reportamos. Sofrerá in­tensamente do órgão vocal que, sem dúvida, se caracterizará por fraca resistência aos assaltos mi­crobianos, e, em virtude de o nosso amigo haver menosprezado a bênção do corpo físico, será defron­tado por lutas terríveis, nas quais aprenderá a valorizá-lo.

Em seguida, porém, o instrutor desdobrou vá­rias operações magnéticas, a benefício do pequeno enfermo, que se mantinha calmo, e, com os agra­decimentos das duas solícitas irmãs que nos ou­viam, atentamente, despedimo-nos de retorno ao nosso domicílio espiritual.


Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

Nenhum comentário: