sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

CONVERSAÇÃO EDIFICANTE

Enquanto regressávamos ao nosso círculo de trabalho e de estudo, para articular novas provi­dências de auxílio, em favor dos protagonistas da história que a vida estava escrevendo, concluí que não me cabia perder a oportunidade de mais amplo entendimento com o nosso orientador, com alusão aos esclarecimentos que nos fornecera, acerca do perispírito.

Assim como o homem comum mal conhece o veículo em que se movimenta, ignorando a maior parte dos processos vitais de que se beneficia e usando o corpo de carne à maneira de um inquilino estranho à casa em que reside, também nós, os desencarnados, somos compelidos a meticulosas me­ditações para analisar a vestimenta de que nos ser­vimos, de modo a conhecer-lhe a intimidade.

Efetivamente, em novas condições na vida es­piritual, passamos a apreciar, com mais segurança, o corpo abandonado à Terra, penetrando os segre­dos de sua formação e desenvolvimento, sustenta­ção e desintegração, mas somos desafiados pelos enigmas do novo instrumento que passamos a uti­lizar. Lidamos, na Vida Maior, com o carro sutil da mente, pelo menos na esfera em que nos situa­mos, acentuando, pouco a pouco, os nossos conhe­cimentos, quanto às peculiaridades que lhe dizem respeito.

Reparei que Hilário, pela expressão dos olhos, demonstrava não menor anseio de saber. E, enco­rajado pela atitude do companheiro, desfechei a primeira questão, considerando:

— Inegavelmente, será difícil alcançar o gran­de equilíbrio que nos outorgará o trânsito definitivo para as eminências do Espírito Puro.

— Ah! sim — concordou o Ministro, com gra­ve entono —, para que tivéssemos na Crosta Pla­netária um vaso tão aprimorado e tão belo, quanto o corpo humano, a Sabedoria Divina despendeu mi­lênios de séculos, usando os multiformes recursos da Natureza, no campo imensurável das formas... Para que venhamos a possuir o sublime instrumen­to da mente em planos mais elevados, não podemos esquecer que o Supremo Pai se vale do tempo infinito para aperfeiçoar e sublimar a beleza e a precisão do corpo espiritual que nos conferirá os valores imprescindíveis à nossa adaptação à Vida Superior.

— Compete-nos, então — observou Hilário, atencioso —, atribuir importante papel às enfermidades na esfera humana. Quase todas estarão no mundo, desempenhando expressivo papel na re­generação das almas.

— Exatamente.

— Cada “centro de força” — ponderei — exi­girá absoluta harmonia, perante as Leis Divinas que nos regem, a fim de que possamos ascender no rumo do Perfeito Equilíbrio...

— Sim — confirmou Clarêncio —, nossos des­lizes de ordem moral estabelecem a condensação de fluidos inferiores de natureza gravitante, no campo electromagnético de nossa organização, compelin­do-nos a natural cativeiro em derredor das vidas começantes às quais nos imantamos.

Hilário, conduzindo mais longe as próprias divagações, perguntou:

— Imaginemos, contudo, um homem puramen­te selvagem, a situar-se em plena ignorância dos Desígnios Superiores, que se confia a delitos índis­criminados... Terá nos tecidos sutis da alma as lesões cabíveis a um europeu super-civilizado, que se entrega à indústria do crime?

Clarêncio sorriu, compreensivo, e acentuou:

— Sigamos devagar. Comentávamos, ainda há pouco, o problema da evolução. Assim como o aperfeiçoado veículo do homem nasceu das formas primárias da Natureza, o corpo espiritual foi ini­ciado também nos princípios rudimentares da in­teligência. É necessário não confundir a semente com a árvore ou a criança com o adulto, embora surjam na mesma paisagem de vida, O instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como protoforma humana, extremamente condensa­do pela sua integração com a matéria mais densa. Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo enobrecidos, como um macaco antropomorfo está para o homem bem-posto das cidades moder­nas. Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando a aparecer e o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso. Por esse mo­tivo, permanecerão muito tempo na escola da expe­riência, como o bloco de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a obra-prima... Despenderão séculos e séculos para se rarefazerem, usando múltiplas formas, de modo a conquistarem as qualidades superiores que, em lhes sutilizando a organização, lhes conferirão novas possibilidades de crescimento consciencial. O instinto e a inteli­gência pouco a pouco se transformam em conhe­cimento e responsabilidade e semelhante renovação outorga ao ser mais avançados equipamentos de manifestação... O prodigioso corpo do homem na Crosta Terrestre foi erigido pacientemente, no cur­so dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos planos mais elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milênios incessantes...

E, com um olhar significativo, Clarêncio concluiu:
- ... ­até que nos transfiramos de residência, aptos a deixar, em definitivo, o caminho das formas, colocando-nos na direção das esferas do Espírito Puro, onde nos aguardam os inconcebíveis, os inimagináveis recursos da suprema sublimação.

Calara-se o instrutor, mas o assunto era por demais importante para que eu me desinteressasse dele apressadamente.
Recordei os inúmeros casos de moléstias obs­curas de meu trato pessoal e aduzi:

— Decerto a Medicina escreveria gloriosos ca­pítulos na Terra, sondando com mais segurança os problemas e as angústias da alma...

— Grava-los-á mais tarde — confirmou Cla­rêncio, seguro de si. — Um dia, o homem ensinará ao homem, consoante as instruções do Divino Mé­dico, que a cura de todos os males reside nele próprio. A percentagem quase total das enfermi­dades humanas guarda origem no psiquismo.

Sorridente, acrescentou:

— Orgulho, vaidade, tirania, egoísmo, pregui­ça e crueldade são vícios da mente, gerando perturbações e doenças em seus instrumentos de ex­pressão.

No objetivo de aprender, observei:

— É por isso que temos os vales purgatoriais, depois do túmulo... a morte não é redenção...

— Nunca foi — esclareceu o Ministro, bon­doso. — O pássaro doente não se retira da condição de enfermo, tão só porque se lhe arrebente a gaiola. O inferno é uma criação de almas dese­quilibradas que se ajuntam, assim como o charco é uma coleção de núcleos lodacentos, que se con­gregam uns aos outros. Quando de consciência inclinada para o bem ou para o mal perpetramos esse ou aquele delito no mundo, realmente pode­mos ferir ou prejudicar a alguém, mas, antes de tudo, ferimos e prejudicamos a nós mesmos. Se eliminamos a existência do próximo, nossa vítima receberá dos outros tanta simpatia que, em breve, se restabelecerá, nas leis de equilíbrio que nos go­vernam, vindo, muita vez, em nosso auxílio, muito antes que possamos recompor os fios dilacerados de nossa consciência. Quando ofendemos a essa ou àquela criatura, lesamos primeiramente a nos­sa própria alma, de vez que rebaixamos a nossa dignidade de espíritos eternos, retardando em nós sagradas oportunidades de crescimento.

— Sim — concordei —, tenho visto aqui afli­tivas paisagens de provação que me constrangem a meditar...

— A enfermidade, como desarmonia espiritual atalhou o instrutor —, sobrevive no perispírito.

As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste. A dor é o grande e abençoado remédio. Reeduca-nos a atividade men­tal, reestruturando as peças de nossa instrumen­tação e polindo os fulcros anímicos de que se vale a nossa inteligência para desenvolver-se na jorna­da para a vida eterna. Depois do poder de Deus, é a única força capaz de alterar o rumo de nossos pensamentos, compelindo-nos a indispensáveis mo­dificações, com vistas ao Plano Divino, a nosso respeito, e de cuja execução não poderemos fugir sem graves prejuízos para nós mesmos.

Nosso domicílio, porém, estava agora à vista. Os raios dourados da manhã varriam o horizonte longínquo.

Despediu-se o Ministro, paternal.

Aquele era um dos momentos em que, desde muito, se devotava ele à oração.



Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

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