sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

VIVER FELIZ

As coisas acontecem na hora certa!
As coisas acontecem exatamente quando devem Acontecer!
Leia a primeira linha com atenção!
Se Deus trouxe isto a você, Ele lhe trará algo através disto! Momentos felizes, louve a Deus.

Momentos difíceis, busque a Deus. 
Momentos silenciosos, adore a Deus. Momentos dolorosos, confie em Deus.
Cada momento, agradeça a Deus.
Viva como se fosse morrer amanhã;
aprenda como se fosse viver para sempre.
"O que sabemos é uma gota, o que ignoramos é um oceano;
o pior naufrágio é daquele que não saiu do porto;
só a vida vivida para os outros vale a pena ser vivida;
de tropeços , vitórias e quedas se constrói a experiência;
acima do homem que salta, Há o homem que voa;
dói fracassar, mais doloroso ainda é nunca tentar acertar".


Desconhecemos autoria

CONVERSAÇÃO EDIFICANTE

Enquanto regressávamos ao nosso círculo de trabalho e de estudo, para articular novas provi­dências de auxílio, em favor dos protagonistas da história que a vida estava escrevendo, concluí que não me cabia perder a oportunidade de mais amplo entendimento com o nosso orientador, com alusão aos esclarecimentos que nos fornecera, acerca do perispírito.

Assim como o homem comum mal conhece o veículo em que se movimenta, ignorando a maior parte dos processos vitais de que se beneficia e usando o corpo de carne à maneira de um inquilino estranho à casa em que reside, também nós, os desencarnados, somos compelidos a meticulosas me­ditações para analisar a vestimenta de que nos ser­vimos, de modo a conhecer-lhe a intimidade.

Efetivamente, em novas condições na vida es­piritual, passamos a apreciar, com mais segurança, o corpo abandonado à Terra, penetrando os segre­dos de sua formação e desenvolvimento, sustenta­ção e desintegração, mas somos desafiados pelos enigmas do novo instrumento que passamos a uti­lizar. Lidamos, na Vida Maior, com o carro sutil da mente, pelo menos na esfera em que nos situa­mos, acentuando, pouco a pouco, os nossos conhe­cimentos, quanto às peculiaridades que lhe dizem respeito.

Reparei que Hilário, pela expressão dos olhos, demonstrava não menor anseio de saber. E, enco­rajado pela atitude do companheiro, desfechei a primeira questão, considerando:

— Inegavelmente, será difícil alcançar o gran­de equilíbrio que nos outorgará o trânsito definitivo para as eminências do Espírito Puro.

— Ah! sim — concordou o Ministro, com gra­ve entono —, para que tivéssemos na Crosta Pla­netária um vaso tão aprimorado e tão belo, quanto o corpo humano, a Sabedoria Divina despendeu mi­lênios de séculos, usando os multiformes recursos da Natureza, no campo imensurável das formas... Para que venhamos a possuir o sublime instrumen­to da mente em planos mais elevados, não podemos esquecer que o Supremo Pai se vale do tempo infinito para aperfeiçoar e sublimar a beleza e a precisão do corpo espiritual que nos conferirá os valores imprescindíveis à nossa adaptação à Vida Superior.

— Compete-nos, então — observou Hilário, atencioso —, atribuir importante papel às enfermidades na esfera humana. Quase todas estarão no mundo, desempenhando expressivo papel na re­generação das almas.

— Exatamente.

— Cada “centro de força” — ponderei — exi­girá absoluta harmonia, perante as Leis Divinas que nos regem, a fim de que possamos ascender no rumo do Perfeito Equilíbrio...

— Sim — confirmou Clarêncio —, nossos des­lizes de ordem moral estabelecem a condensação de fluidos inferiores de natureza gravitante, no campo electromagnético de nossa organização, compelin­do-nos a natural cativeiro em derredor das vidas começantes às quais nos imantamos.

Hilário, conduzindo mais longe as próprias divagações, perguntou:

— Imaginemos, contudo, um homem puramen­te selvagem, a situar-se em plena ignorância dos Desígnios Superiores, que se confia a delitos índis­criminados... Terá nos tecidos sutis da alma as lesões cabíveis a um europeu super-civilizado, que se entrega à indústria do crime?

Clarêncio sorriu, compreensivo, e acentuou:

— Sigamos devagar. Comentávamos, ainda há pouco, o problema da evolução. Assim como o aperfeiçoado veículo do homem nasceu das formas primárias da Natureza, o corpo espiritual foi ini­ciado também nos princípios rudimentares da in­teligência. É necessário não confundir a semente com a árvore ou a criança com o adulto, embora surjam na mesma paisagem de vida, O instrumento perispirítico do selvagem deve ser classificado como protoforma humana, extremamente condensa­do pela sua integração com a matéria mais densa. Está para o organismo aprimorado dos Espíritos algo enobrecidos, como um macaco antropomorfo está para o homem bem-posto das cidades moder­nas. Em criaturas dessa espécie, a vida moral está começando a aparecer e o perispírito nelas ainda se encontra enormemente pastoso. Por esse mo­tivo, permanecerão muito tempo na escola da expe­riência, como o bloco de pedra rude sob marteladas, antes de oferecer de si mesmo a obra-prima... Despenderão séculos e séculos para se rarefazerem, usando múltiplas formas, de modo a conquistarem as qualidades superiores que, em lhes sutilizando a organização, lhes conferirão novas possibilidades de crescimento consciencial. O instinto e a inteli­gência pouco a pouco se transformam em conhe­cimento e responsabilidade e semelhante renovação outorga ao ser mais avançados equipamentos de manifestação... O prodigioso corpo do homem na Crosta Terrestre foi erigido pacientemente, no cur­so dos séculos, e o delicado veículo do Espírito, nos planos mais elevados, vem sendo construído, célula a célula, na esteira dos milênios incessantes...

E, com um olhar significativo, Clarêncio concluiu:
- ... ­até que nos transfiramos de residência, aptos a deixar, em definitivo, o caminho das formas, colocando-nos na direção das esferas do Espírito Puro, onde nos aguardam os inconcebíveis, os inimagináveis recursos da suprema sublimação.

Calara-se o instrutor, mas o assunto era por demais importante para que eu me desinteressasse dele apressadamente.
Recordei os inúmeros casos de moléstias obs­curas de meu trato pessoal e aduzi:

— Decerto a Medicina escreveria gloriosos ca­pítulos na Terra, sondando com mais segurança os problemas e as angústias da alma...

— Grava-los-á mais tarde — confirmou Cla­rêncio, seguro de si. — Um dia, o homem ensinará ao homem, consoante as instruções do Divino Mé­dico, que a cura de todos os males reside nele próprio. A percentagem quase total das enfermi­dades humanas guarda origem no psiquismo.

Sorridente, acrescentou:

— Orgulho, vaidade, tirania, egoísmo, pregui­ça e crueldade são vícios da mente, gerando perturbações e doenças em seus instrumentos de ex­pressão.

No objetivo de aprender, observei:

— É por isso que temos os vales purgatoriais, depois do túmulo... a morte não é redenção...

— Nunca foi — esclareceu o Ministro, bon­doso. — O pássaro doente não se retira da condição de enfermo, tão só porque se lhe arrebente a gaiola. O inferno é uma criação de almas dese­quilibradas que se ajuntam, assim como o charco é uma coleção de núcleos lodacentos, que se con­gregam uns aos outros. Quando de consciência inclinada para o bem ou para o mal perpetramos esse ou aquele delito no mundo, realmente pode­mos ferir ou prejudicar a alguém, mas, antes de tudo, ferimos e prejudicamos a nós mesmos. Se eliminamos a existência do próximo, nossa vítima receberá dos outros tanta simpatia que, em breve, se restabelecerá, nas leis de equilíbrio que nos go­vernam, vindo, muita vez, em nosso auxílio, muito antes que possamos recompor os fios dilacerados de nossa consciência. Quando ofendemos a essa ou àquela criatura, lesamos primeiramente a nos­sa própria alma, de vez que rebaixamos a nossa dignidade de espíritos eternos, retardando em nós sagradas oportunidades de crescimento.

— Sim — concordei —, tenho visto aqui afli­tivas paisagens de provação que me constrangem a meditar...

— A enfermidade, como desarmonia espiritual atalhou o instrutor —, sobrevive no perispírito.

As moléstias conhecidas no mundo e outras que ainda escapam ao diagnóstico humano, por muito tempo persistirão nas esferas torturadas da alma, conduzindo-nos ao reajuste. A dor é o grande e abençoado remédio. Reeduca-nos a atividade men­tal, reestruturando as peças de nossa instrumen­tação e polindo os fulcros anímicos de que se vale a nossa inteligência para desenvolver-se na jorna­da para a vida eterna. Depois do poder de Deus, é a única força capaz de alterar o rumo de nossos pensamentos, compelindo-nos a indispensáveis mo­dificações, com vistas ao Plano Divino, a nosso respeito, e de cuja execução não poderemos fugir sem graves prejuízos para nós mesmos.

Nosso domicílio, porém, estava agora à vista. Os raios dourados da manhã varriam o horizonte longínquo.

Despediu-se o Ministro, paternal.

Aquele era um dos momentos em que, desde muito, se devotava ele à oração.



Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

EXERCÍCIO DIÁRIOS DA HUMILDADE

No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de um famoso palácio real, um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias dos companheiros de apartamento.

Reparando-lhe o pelo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe que se fizera detentor de muitos prêmios, e disse, orgulhoso:

- Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição em corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiado pela palavra dos reis!

- Pudera! – exclamou um potro de fina origem inglesa:

- como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça? O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente. Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou:
- Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos do bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia. Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade:

- Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil, não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor-próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite, mas, se me constrangem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar.

As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe das cavalariças.

- Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade, informou o monarca, um animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança. O empregado perguntou:

- Não prefere o árabe, Majestade?

- Não, não – falou o soberano, é muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem maior importância.

- Não quer o potro inglês? – De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça.

- Não deseja o húngaro?

- Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho.

- O jumento espanhol serviria? – insistiu o servidor atencioso. – De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança. Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:

- Onde está meu burro de carga? O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais. O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho ainda criança, para longa viajem. E ficou tranquilo, sabendo que poderia colocar toda a sua confiança naquele animal…

Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a servir, sem pensar em si mesmos….

e nós será que já aprendemos a servir?

Pense nisto….


Autor: desconhecido

CONFLITOS DA ALMA

Voltando à residência de Amaro, ainda conse­guimos observá-lo, fora do veículo denso, em con­versação com Odila, sob o amparo direto de nosso orientador.

A primeira esposa do ferroviário, identificando o marido, provávelmente com o auxílio de Clarên­cio, abandonara Zulmira por instantes e ajoelhara-se-lhe aos pés, rogando, súplice:

— Amaro, expulsa! Corre com esta mulher de nossa casa! Ela furtou a nossa paz... Matou nosso filho, prejudica Evelina e transtorna-te!...

Apontando a enferma com terrível olhar, acen­tuava:

— Porque reténs semelhante intrusa?

O interpelado, muito triste, esforçava-se por dirigir a atenção no rumo de nosso instrutor, mas talvez torturado pelo reencontro com a primei­ra mulher, mal-humorada e enfurecida, perdera a serenidade que lhe caracterizava habitualmente o semblante.

Enquanto junto de nós, versando os problemas de ordem moral que lhe absorviam a mente, sus­tentara calma invejável, com aristocrática pene­tração nos problemas da vida, ali, perante a mu­lher que lhe dominava os sentimentos, revelava-se mais acessível ao desequilíbrio e à conturbação.

Mostrava-se interessado em responder às objur­gatórias que ouvia, entretanto, extrema palidez fi­sionômica denunciava-lhe agora a inibidora emoção.

Situado entre Odila e Zulmira, parecia dividir-se entre o amor e a piedade.

A genitora de Evelina prosseguia gritando, com inflexão enternecedora, no entanto, imóvel, o marido assemelhava-se a uma estátua viva, de dú­vida e sofrimento.

Esperava que o nosso orientador, qual aconte­cera minutos antes com o ferroviário, reconduzisse a mente de Odila às impressões do pretérito, a fim de acalmar-lhe o coração, e cheguei a falar-lhe, nesse sentido, mas Clarêncio informou, bondoso:

— Não, não convém. Nossa história cresceria demasiado por espraiar-se excessivamente no tem­po. É aconselhável nossa sustentação no fio de trabalho nascido na prece de Evelina.

Reparando que o ferroviário manifestava es­tranha aflição, o Ministro acercou-se dele e paternalmente afastou-o de Odila, transportando-o para o leito em que o seu carro físico repousava.

A pobre desencarnada tentava agarrar-se a ele, clamando em desconsolo:

— Amaro! Amaro! não me abandones assim!

O relógio-carrilhão da família assinalava três da manhã.

O dono da casa acordou, abatido.

Esfregou os olhos, sonolento, guardando a idéia de ainda estar ouvindo o apelo que vibra­va no ar:

— Amaro! Amaro!

O abalo do reencontro fora nele muito forte. Na tela mnemônica permanecia tão somente a fase última de sua incursão espiritual — a imagem de Odila, que se lhe afigurava implorando socorro...

Da palestra que alimentara conosco não res­tava traço algum.

Deixando-o entregue à lembrança fragmentária que lhe assomava à consciência como simples so­nho, partimos.

A irmã Blandina solicitava-nos concurso imediato, em favor do pequeno Júlio, que confiara aos cuidados de Mariana, enquanto nos buscava a com­panhia.

Valendo-me da excursão para o Lar da Bênção, indaguei do Ministro quanto a certo enigma que me feria a imaginação.

Esteves, ao tempo da guerra do Paraguai, so­frera tanto quanto Júlio o suplício do veneno. Porque surgiam em ambos efeitos tão díspares? O menino ainda trazia a garganta doente, ao passo que o enfermeiro, vitimado por Leonardo, não pa­recia haver conhecido qualquer consequência mais grave...

Clarêncio, sorrindo, explicou afetuoso:

— Não tomaste em consideração o exame das causas. Esteves foi envenenado, enquanto Júlio se envenenou. Há muita diferença. O suicídio acar­reta vasto complexo de culpa. A fixação mental do remorso opera inapreciáveis desequilíbrios no corpo espiritual. O mal como que se instala nos re­cessos da consciência que o arquiteta e concretiza. Vimos Leonardo Pires com a imagem de Esteves atormentando-lhe a imaginação e observamos Jú­lio, enfermo até agora, em consequência de erros deliberados aos quais se entregou há quase oi­tenta anos, O pensamento que desencadeia o mal encarcera-se nos resultados dele, porque sofre fa­talmente os choques de retorno, no veículo em que se manifesta.

E, à frente das silenciosas reflexões que me absorviam, acrescentou:

— É natural que assim seja.

Atingíramos a graciosa residência de Blandina.

Entramos.

O choro de Júlio infundia compaixão.

Após saudarmos a devotada Mariana, que o assistia com desvelo maternal, o Ministro examinou-o e notificou à irmã Blandina, algo inquieta:

— Estejamos tranquilos. Espero conduzi-lo à reencarnação em breves dias.

— Sim, essa providência não deve tardar —considerou nossa amiga, atenciosa.

Assinalando-nos decerto a curiosidade, de vez que também percebia Hilário interessado em ad­quirir informações e conhecimentos em torno dos problemas que anotávamos de perto, o instrutor convidou-nos a observar a infortunada criança, co­municando:

— Como não desconhecem, o nosso corpo de matéria rarefeita está íntimamente regido por sete centros de força, que se conjugam nas ramificações dos plexos e que, vibrando em sintonia uns com os outros, ao influxo do poder diretriz da mente, estabelecem, para nosso uso, um veículo de células elétricas, que podemos definir como sendo um cam­po electromagnético, no qual o pensamento vibra em circuito fechado. Nossa posição mental deter­mina o peso específico do nosso envoltório espiri­tual e, consequentemente, o «habitat» que lhe com­pete. Mero problema de padrão vibratório. Cada qual de nós respira em determinado tipo de onda. Quanto mais primitiva se revela a condição da mente, mais fraco é o influxo vibratório do pen­samento, induzindo a compulsória aglutinação do ser às regiões da consciência embrionária ou tor­turada, onde se reúnem as vidas inferiores que lhe são afins, o crescimento do influxo mental, no veículo electromagnético em que nos movemos, após abandonar o corpo terrestre, está na medida da experiência adquirida e arquivada em nosso pró­prio espírito. Atentos a semelhante realidade, é fácil compreender que sublimamos ou desequilibra­mos o delicado agente de nossas manifestações, conforme o tipo de pensamento que nos flui da vida íntima. Quanto mais nos avizinhamos da es­fera animal, maior é a condensação obscurecente de nossa organização, e quanto mais nos elevamos, ao preço de esforço próprio, no rumo das gloriosas construções do espírito, maior é a sutileza de nos­so envoltório, que passa a combinar-se facilmente com a beleza, com a harmonia e com a luz reinan­tes na Criação Divina.

Ouvíamos as preciosas explicações, enlevados, mas Clarêncio, reparando que não nos cabia fugir do quadro ambiente, voltou-se para a garganta enferma de Júlio e continuou:

— Não nos afastemos das observações práti­cas, para estudar com clareza os conflitos da alma. Tal seja a viciação do pensamento, tal será a de­sarmonia no centro de força, que reage em nosso corpo a essa ou àquela classe de influxos mentais. Apliquemos à nossa aula rápida, tanto quanto nos seja possível, a terminologia trazida do mundo, para que vocês consigam fixar com mais segurança os nossos apontamentos. Analisando a fisiologia do perispírito, classifiquemos os seus centros de força, aproveitando a lembrança das regiões mais importantes do corpo terrestre.

Temos, assim, por expressão máxima do veículo que nos serve pre­sentemente, o «centro coronário» que, na Terra, é considerado pela filosofia hindu como sendo o lótus de mil pétalas, por ser o mais significativo em razão do seu alto potencial de radiações, de vez que nele assenta a ligação com a mente, fulgurante sede da consciência. Esse centro recebe em primei­ro lugar os estimulos do espírito, comandando os demais, vibrando todavia com eles em justo regime de interdependência. Considerando em nossa expo­sição os fenômenos do corpo físico, e satisfazendo aos impositivos de simplicidade em nossas defini­ções, devemos dizer que dele emanam as energias de sustentação do sistema nervoso e suas subdi­visões, sendo o responsável pela alimentação das células do pensamento e o provedor de todos os recursos electromagnéticos indispensáveis à estabi­lidade orgânica. Ë, por isso, o grande assimilador das energias solares e dos raios da Espiritualidade Superior capazes de favorecer a sublimação da alma. Logo após, anotamos o “centro cerebral”, contíguo ao “centro coronário”, que ordena as percepções de variada espécie, percepções essas que, na vestimenta carnal, constituem a visão, a audi­ção, o tato e a vasta rede de processos da inteli­gência que dizem respeito à Palavra, à Cultura, à Arte, ao Saber. É no «centro cerebral» que possuímos o comando do núcleo endocrínico, refe­rente aos poderes psíquicos. Em seguida, temos o «centro laríngeo», que preside aos fenômenos vo­cais, inclusive às atividades do timo, da tireóide e das paratireóides. Logo após, identificamos o «centro cardíaco», que sustenta os serviços da emoção e do equilíbrio geral. Prosseguindo em nossas obser­vações, assinalamos o «centro esplênico» que, no corpo denso, está sediado no baço, regulando a distribuição e a circulação adequada dos recursos vitais em todos os escaninhos do veículo de que nos servimos. Continuando, identificamos o «cen­tro gástrico», que se responsabiliza pela penetração de alimentos e fluidos em nossa organização e, por fim, temos o «centro genésico», em que se localiza o santuário do sexo, como templo modelador de formas e estímulos.

O instrutor fêz pequena pausa de repouso e prosseguiu:

— Não podemos olvidar, porém, que o nosso veículo sutil, tanto quanto o corpo de carne, é cria­ção mental no caminho evolutivo, tecido com re­cursos tomados transitoriamente por nós mesmos aos celeiros do Universo, vaso de que nos utilizamos para ambientar em nossa individualidade eterna a divina luz da sublimação, com que nos cabe de­mandar as esferas do Espírito Puro. Tudo é tra­balho da mente no espaço e no tempo, a valer-se de milhares de formas, a fim de purificar-se e san­tificar-se para a Glória Divina.

Clarêncio afagou a garganta doente do me­nino, dando-nos a idéia de que nela fixava o objeto de nossas lições, e aduziu:

Quando a nossa mente, por atos contrários à Lei Divina, prejudica a harmonia de qualquer um desses fulcros de força de nossa alma, natu­ralmente se escraviza aos efeitos da ação desequi­librante, obrigando-se ao trabalho de reajuste. No caso de Júlio, observamo-lo como autor da pertur­bação no «centro laríngeo», alteração que se ex­pressa por enfermidade ou desequilíbrio a acompa­nhá-lo fatalmente à reencarnação.

— E como sanará ele semelhante deficiência? — perguntei, edificado com os esclarecimentos ou­vidos.

Com a serenidade invejável de sempre, o Mi­nistro ponderou:

— Nosso Júlio, de atenção encadeada à dor da garganta, constrangido a pensar nela e padecendo-a, recuperar-se-á mentalmente para retificar o tônus vibratório do «centro laríngeo, restabele­cendo-lhe a normalidade em seu próprio favor.

E decerto para gravar, com mais segurança, a elucidação, concluiu:

— Júlio renascerá num equipamento fisiológi­co deficitário que, de algum modo, lhe retratará a região lesada a que nos reportamos. Sofrerá in­tensamente do órgão vocal que, sem dúvida, se caracterizará por fraca resistência aos assaltos mi­crobianos, e, em virtude de o nosso amigo haver menosprezado a bênção do corpo físico, será defron­tado por lutas terríveis, nas quais aprenderá a valorizá-lo.

Em seguida, porém, o instrutor desdobrou vá­rias operações magnéticas, a benefício do pequeno enfermo, que se mantinha calmo, e, com os agra­decimentos das duas solícitas irmãs que nos ou­viam, atentamente, despedimo-nos de retorno ao nosso domicílio espiritual.


Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

DOR E SURPRESA

— Júlio! Júlio! comparece, covarde! ... — bra­mia o enfermeiro, possesso.

E percebendo talvez a simpatia que Amaro nos conquistara, à face da serenidade com que supor­tava a situação, prosseguiu, invocando, revel:

— Comparece para desmascarar o patife que procura comover-nos! Júlio, odeio-te! Mas é necessário apareças! Acusa teu desalmado assassino!...

O Ministro procurava contê-lo, bondoso, mas Silva, como potro indomesticado, gesticulava a es­mo e continuava, conclamando:

— Júlio!... Júlio!...

Sim, Júlio não respondeu à chamada, entre­tanto, alguém surgiu, surpreendendo-nos a atenção.

A irmã Blandina, em pessoa, qual se fora no­minalmente íntimada, estacou junto de nós.

Envolvidos na doce luz que nos banhou, de improviso, aquietamo-nos, perplexos, à exceção de Clarêncio que se mantinha calmo, como se aguar­dasse semelhante visita.

Depois de saudar-nos, Blandina rogou, hu­milde:

— Irmãos, por amor a Jesus, atendei !... Temos Júlio, sob a nossa guarda. Acha-se doente, aflito... Vossos apelos individuais alteram-lhe o modo de ser... Poderia colocar-se mentalmente ao vosso en­contro, contudo, atravessa agora difíceis provas de reajuste... Venho implorar-vos caridade!... Com­padecei-vos de quem hoje se esforça por olvidar o que foi ontem para regenerar-se amanhã, com eficiência!.

Havia tanta aflição e tanta ternura naquela rogativa que a vibração do ambiente modificou-se, de súbito.

Comecei a entender com mais clareza a trama obscura do romance vivo que abordávamos.

Júlio, o menino doente, era o companheiro que voltava na condição de filho do amigo com quem outrora se desaviera...

Não pude, porém, alongar divagações, porque Silva, provávelmente revoltado contra a emoção que nos senhoreava o espírito, passou a reclamar, de novo:

— Anjo ou mulher, não lutarei contra o sor­tilégio! Não lutarei! mas preciso arrojar este bandido ao despenhadeiro que merece por suas desla­vadas mentiras!... Que Júlio permaneça no céu ou no inferno, sob a custódia dos arcanjos ou dos demônios, todavia, exijo que a verdade surja, in­teira!... Recorro ao testemunho de Lina! que Lina compareça! que ela deponha! Se nos achamos aqui, convocados pelo destino que nos algema uns aos outros, que a pérfida mulher seja ouvida igual­mente...

Nosso instrutor, assumindo a chefia espiritual do grupo, convidou com energia e brandura:

— Lina encontra-se não longe de nós. En­tremos.

A determinação foi obedecida.

Na penumbra do quarto que já conhecíamos, a segunda esposa de Amaro jazia subjugada pela outra.

Enquanto Odila se nos afigurava mais ranco­rosa e mais dura, Zulmira revelava-se mais abatida.

Clarêncio enlaçou Mário, como um pai que re­colhe um filho, carinhosamente, e, apontando a enferma, esclareceu, generoso:

Amigo, acalma-te! Lina Flores, atualmente, padece na forja da luta e do sacrifício, a fim de recuperar-se. Apaga a labareda de ódio que te requeima o coração! Deixa que nova compreensão te beneficie a alma ulcerada!... Não nos cabe pre­judicar o caminho de quem procura a regeneração que lhe é necessária!.

Ante o olhar de Mário, espantadiço e agoniado, o Ministro considerou:

— Lina, hoje, com imensas dificuldades, tenta alcançar a altura do casamento digno e, superando tremendos obstáculos, constrói os alicerces da mis­são de maternidade para a qual se encaminha... Ajudemo-la com as nossas vibrações de compreen­são e carinho. Quando amamos realmente, antes de tudo é a felicidade da criatura amada que nos interessa...

Nosso grupo avançou algo mais.

Junto de nós, Blandina mantinha-se em prece.

O orientador abeirou-se da doente, com atenção respeitosa, e mostrou-lhe o rosto ossudo e triste ao enfermeiro que, ao reconhecê-la, bradou, ater­rado:

— Zulmira! Zulmira, então, é Lina que volta?

O Ministro acariciou-lhe a cabeça e informou, conciso:

— Sim, regressou em companhia de Armando, em dolorosas reparações, O consórcio para eles não foi o castelo de flores de laranjeira, mas sim uma associação de interesses espirituais para o trabalho regenerativo. Armando, em luta no plano da vida real para reerguer-se, aceitou o compromisso de reconduzi-la à dignidade feminina, amparando-lhe as angústias silenciosas...

Estupefato, Silva exclamou, cambaleante:

— Quer dizer então que Zulmira me traiu duas vezes?

— Não te refiras à traição — corrigiu Cla­rêncio, sem alterar-se —, é imprescindível compreender! Armando, ontem, escutou apelos inferiores, incompatíveis com as responsabilidades de que se via depositário. Hoje, é compelido a responder, embora constrangido, a requisições de natureza edi­ficante, às quais, em verdade, não lhe será lícito fugir. Lina Flores reclama alguém que a recambie ao serviço renovador, a fim de que se habilite a auxiliar Júlio, devidamente. Todos somos devedo­res uns dos outros. As almas aprimoram-se, grupo a grupo, à maneira de pequenas constelações, gra­vitando em torno do Sol Magno, Jesus-Cristo!... Como um astro que se distancia do núcleo em que se integra, abandonaste a órbita de velhos compa­nheiros de evolução, caindo, pelas vibrações de afe­tividade e ódio, no centro de forças em que Leo­nardo Pires e Lola Ibarruri aguardam-te a precisa cooperação, de modo a se liberarem perante a Lei. Amaro, noutro tempo, separou Zulmira e Júlio, es­tabelecendo espinheiros dilacerantes entre os dois... Agora, cabe-lhe reuni-los no carinho familiar, para que na posição de mãe e filho se reajustem na afei­ção santificadora... Antigamente, isolaste Leonar­do da afetuosa assistência de Lola, criando emba­raços asfixiantes à própria marcha... Prepara-te na fé para congregá-los, de novo, no templo do­méstico, igualmente na condição de filho e mãe, de maneira a se redimirem para a bênção do amor puro...

Nossas ações são pesadas na Justiça Di­vina... Não podemos enganar o Supremo Senhor.

Nossos débitos, por isso mesmo, devem ser resga­tados, ceitil a ceitil.

A ligeira preleção trouxera-nos enorme pro­veito.

Amaro dobrara a cerviz, revelando-se disposto a obedecer aos ditames de natureza superior, fossem como fossem.

Silva, no entanto, não parecia desperto para as verdades que Clarêncio pronunciara.

Hipnotizado na contemplação da mulher que­rida, demonstrava-se indiferente.

Depois de fitá-la, absorto, entre o carinho e a aversão, quebrou a quietude que envolvera o recinto, rugindo, desesperado:

— Não posso modificar-me, desgraçado de mim!... Odiarei! odiarei a infame que voltou!...

Somente a vingança me convém, não quero per­doar! não quero perdoar!...

Novamente enraivecido e inquieto, como fera solta, erguia os punhos cerrados contra a desditosa mulher que jazia no leito, em lastimável prostra­ção. Seu veículo espiritual rodeava-se agora de um halo cinzento-escuro, que despendia raios desagra­dáveis e perturbantes.

Nosso orientador libertou-o da influência mag­nética com que lhe tolhia as energias.

Tão logo se reconheceu sem o controle que lhe sofreava os movimentos, Silva retrocedeu, excla­mando:

— Não suporto mais! não suporto mais!...

E correu para o seio da noite.

Clarêncio recomendou-nos seguir-lhe o passo, enquanto prestaria assistência ao ferroviário e à esposa, em colaboração com Blandina. O enfermei­ro, decerto — informou o Ministro prestimoso —, retomaria o corpo denso em aflitivas condições de saúde. Passes anestesiantes deviam favorecê-lo. Não podia lembrar a experiência grave daquela hora. A aventura provocada pela insistência men­tal dele mesmo era suscetível de perigosas conse­qüências.

Num átimo, Hilário e eu achamo-nos ao lado de Silva, que aderia ao envoltório de carne com o au­tomatismo da molécula de ferro, atraida pelo imã.

Examinamo-lo, atentamente.

O peito arfava-lhe, sibilante.

O coração acusava-se desgovernado, sob o im­pério de insopitável arritmia.

De imediato, entramos em ação, sossegando-lhe o campo mental, quanto possível, através de sedativos magnéticos.

Ainda assim, apesar dos passes, pelos quais foi completamente envolvido de energias revigorado­ras, o moço acordou agoniado, hesitante e trêmulo, como se estivesse fugindo de medonhas tempesta­des no mundo íntimo.

Semi-inconsciente, despendeu vários minutos para identificar-se.

O pensamento surgia-lhe atormentado, nebu­loso...

Tentou locomover-se, mas não conseguiu. Sen­tia-se chumbado à cama, quase na situação de um cadáver repentinamente desperto.

Buscou alinhar recordações, contudo, não pôde. Sabia tão somente que atravessara grande pe­sadelo cujas dimensões lhe não cabiam na memória.

Suarento, aflito, sentia-se morrer...

Instintivamente orou, suplicando a Proteção Divina.

Bastou essa atitude d'alma para ligar-se, com mais facilidade, aos fluidos restauradores que lhe administrávamos.

Pouco a pouco, readquiriu os movimentos li­vres e levantou-se, ingerindo uma pílula calmante.

Amedrontado, sentou-se no leito e, mergulhan­do a cabeça nas mãos, falou, sem palavras, de si para consigo: — «Estou evidentemente conturbado. Amanhã, consultarei um psiquiatra. É a minha única solução».

Sim — concordei comigo mesmo —, o ódio gera a loucura. Quem se debate contra o bem, cai nas garras da perturbação e da morte.

Com semelhante raciocínio, afastei-me.

Clarêncio aguardava-nos.

Era preciso continuar na lição.

Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

QUEM ESTÁ CUIDANDO DO SEU JARDIM?



Você?
Que bom!
Cuide sempre muito bem você mesmo de seu precioso jardim!
Não foi você a pessoa que sempre desejou que os outros te observassem por dentro, suas intenções, que considerassem o seu esforço?
Então! Agora chegou o tempo de você sondar a beleza interna das pessoas com quem convive, viu?
Tem muita gente belíssima por aí, que são verdadeiros tesouros, joias raras!
Tem muita gente que são flores belíssimas e perfumadas.
Que você possa identificá-las com mais frequência e com sabedoria.
De uma certa maneira mágica, todas as pessoas que estão na sua vida fazem parte de seu jardim.
Seu lindo, rico e poderoso jardim!
Algumas pessoas podem ser delicadas flores que só duram poucas horas.
Outras, no entanto, apesar de feias, são as pedras, que duram milênios, realizando suas tarefas.
A quem cabe valorizar, cuidar e enobrecer tanto as flores como as pedras?
Você!
Cada pessoa que passa em sua vida não passa por acaso!
Cada indivíduo carrega em si um segredo, um ensinamento, uma marca exclusiva, algo especialíssimo!
Você também tem a sua missão, seu poder, sua beleza, viu?
E que beleza!
Mas quem cuida de você?
Quem cuida do seu jardim?
Você tem sido flor ou pedra na vida das pessoas?
Tem sido a flor que embeleza ou a pedra que fortalece e que constrói?
Jamais seja a pedra no sapato de quem quer que seja, viu?
Busque o equilíbrio em sua vida.
Encontre a sua missão!
Encontre a plenitude e deixe de cometer seus excessos.
Nenhum excesso: nem no trabalho, nem nos prazeres.
Nenhum exagero, tá?
Lembre-se que é preciso equilíbrio em tudo. E sempre!
Trabalhe bastante mas aprenda também a se divertir bastante!
Tem gente que é sábia nesse aspecto e consegue fazer de seu trabalho um grande motivo de alegria em sua vida!
Faça mais o que você gosta de fazer, seja lá o que for.
Não importa se seus prazeres são simples ou extravagantes, contanto que você tire verdadeira alegria deles, certo?
Sinta-se animado, mais edificado, mais competente e muito mais preparado para viver a sua vida e…. cuidar de seu rico e lindo jardim, tá?
Lembre-se sempre: sua vida, seu jardim!

Bom Dia! Um beijo nesse seu coração todo florido! Fique com Deus.

“Lembre-se sempre que Deus não promete que você será poupado de sofrer, mas Ele promete que você será poupado no sofrer”.




Luis Carlos Mazzini

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

ENVELHEÇO

ENVELHEÇO quando me fecho para as novas idéias e me torno radical...

ENVELHEÇO quando o novo me assusta e minha mente insiste em não aceitar... 

ENVELHEÇO quando me torno impaciente, intransigente e não consigo dialogar...
ENVELHEÇO quando meu pensamento abandona sua casa e retorna sem nada acrescentar... 

ENVELHEÇO quando muito me preocupo e depois me culpo por não ter tido motivos para me preocupar... 

ENVELHEÇO quando penso demasiadamente em mim mesmo e conseqüentemente, dos outros, completamente me esqueço... 

ENVELHEÇO quando penso em ousar e já antevejo o preço que terei que pagar pelo ato, mesmo que os fatos insistam em me contrariar! 

ENVELHEÇO quando tenho a chance de amar e daí o coração se põe a pensar: "Será que vale a pena correr o risco de me dar? Será que vai compensar?" 

ENVELHEÇO quando permito que o cansaço e o desalento tomem conta de minha alma e ponho a me lamentar... 

ENVELHEÇO, enfim, quando paro de lutar...
Reinilson Câmara

CONFISSÃO

Amaro, cujo semblante exibia os sinais de re­novação a que nos reportamos, começou a dizer, comovido:

— Sim, recordo-me perfeitamente... A madru­gada do Ano Bom de 1869 ficou marcada para sempre em nossa memória... Abordaríamos As­sunção, procedendo de Santo Antônio, em angustio­sa expectativa... A curiosidade abafava a exaustão... Lembro-me de que, antecedendo-se ao desembar­que, Esteves procurou-nos, solicitando-nos o con­curso fraterno para a solução de um problema que reputava importante para o futuro que o aguar­dava... Éramos três amigos inseparáveis na ca­serna e achávamo-nos os três juntos... Ele, Júlio e eu... Na incerteza das ocorrências que nos espe­ravam, pedia-nos, na hipótese de perecer em com­bate, notificar sua morte à jovem Lina Flores, que conhecera, dias antes, em Villeta... Referiu-se, en­tusiástico, ao amor que os ligava e aos projetos que formavam, considerando o porvir... Preocu­pados com a aflição do companheiro, reconforta­mo-lo com palavras de compreensão e esperança, colocando-nos em guarda... A capital paraguaia, porém, revelava-se fatigada e desprevenida... Ja­mais olvidarei a gritaria dos nossos, triunfantes, em se vendo seguros sobre a presa, criando afliti­vos problemas para as autoridades... Revejo ainda a fisionomia risonha de Esteves, quando se reconheceu são e salvo... Em breve, comunicava-nos o consórcio. Ninguém realmente podia casar-se em campanha, mas o enlace efetuou-se às ocultas, sob a bênção de um sacerdote e com a tolerância dos dirigentes da ocupação, atendendo-se à circunstân­cia de que a noiva era uma pobre menina brasileira, desde muito aprisionada...

Amaro fêz pequena pausa, recobrando energias e continuou:

— Recordo-me de que Júlio e eu fomos em visita ao lar de Esteves, pela primeira vez, em fevereiro do mesmo ano, contudo, colocados à frente de Lina, ambos nos sentimos incompreensivelmente ligados àquela jovem bela e simples, cuja presença exerceu, de imediato, sobre nós, intraduzível atra­ção... Guardei comigo a surpresa que me possuía, mas Júlio, impulsivo e irrequieto, veio a mim ex­travasando o coração... A esposa de Esteves do­minara-lhe a mente, de súbito... Se pudesse ha­ver chegado, antes do companheiro — acentuava enamorado —, não lhe cederia o lugar... Susten­tava a impressão de que Lina já lhe havia surgido em sonhos... E, desse modo, várias vezes repetiu confidências que me tocavam as fibras mais ínti­mas. Anotando-lhe o estado d'alma e reconhecendo o direito de Esteves sobre a mulher que despo­sara, tentei retrair-me... Calquei o sentimento e procurei o olvido necessário... A paixão de Júlio era demasiado forte para resignar-se. Insinuou-se junto à recém-casada, cobriu-a de gentilezas e, pro­vàvelmente, quem sabe? nas vicissitudes da guerra e quase criança para guardar-se, como era preciso, nas responsabilidades do casamento, Lina envol­veu-se nas atenções do rapaz, fazendo-lhe concessões... Recordo-me do dia em que Esteves me pro­curou, desolado, comentando o golpe que recebera... Chorou debruçado nos meus ombros. Desejava de­saparecer, aniquilar-se... Fiz-lhe observar, porém, a inoportunidade de qualquer violência... Enfer­meiro bem conceituado e protegido do Conselheiro Silva Paranhos, nosso embaixador em missão extraordinária, junto às Repúblicas do Prata, não lhe seria difícil a retirada de Assunção... Assim aconteceu. Esteves afastou-se, primeiramente rio abaixo, na direção de Villeta, de onde havia tra­zido a esposa e onde se achavam, retardados, al­guns camaradas enfermos, aos quais prestaria as­sistência... Nada mais soube dele, a não ser que havia morrido misteriosamente em Piraju...

Evidenciando enorme padecimento moral, dian­te daquelas evocações, Silva estremeceu e, apro­veitando o intervalo que se fizera, bradou, ago­niado:

— E a tua participação no infortúnio de minha casa? quem me convencerá de que também não te achavas de parceria com Júlio, na destruição de minha felicidade? Infames!..

Clarêncio, afetuoso, acomodou o enfermeiro irritado, recomendando-lhe esperar a narração, até o fim.

Amaro não perdera a calma.

Assinalou a objurgatória do adversário, fixan­do triste sorriso, e continuou:

— Sim, minha confissão deve ser exata e com­pleta... Entendendo que Lina e Júlio se haviam ajustado para a vida comum, tentei distanciar-me... Temia por mim mesmo. Lina, no entanto, como que me registrava a inclinação imanifesta... Dei­tava-me olhares que me acordavam, simultâneamente, para a alegria e para a dor. Queria aproximar-me e fugir dela, ao mesmo tempo... A princípio, tentei evitá-la; contudo, o afastamento do Mar­quês de Caxias deixava as tropas com larga pro­visão de tempo para diversões... Instado talvez pela companheira, Júlio constrangia-me a frequen­tar-lhe a casa. O jogo alegre e o chá saboroso reuniam-nos os três, noite a noite... Amedron­tado, ante o sentimento que a moça despertava em meu coração, não somente porque não devia perturbar-lhe a harmonia doméstica, mas também porque possuia uma noiva no Brasil, busquei isolar-me, de novo... Reparando, todavia, o assédio de Lina, resolvi asilar-me no trabalho mais intenso e consegui a designação para servir na vigilância noturna do Palacete Resquin, onde a ocupação concentrava todos os assuntos e documentos de interesse do nosso País... Ela, entretanto, não desistiu do propósito de que se animava. Certa noite, procurou-me, disfarçada em mulher do povo... A sós comigo, confessou-se... Declarava-se ator­mentada, aflita... Sentira-se amada por Esteves e via-se ardentemente querida por Júlio, mas não pudera interessar-se pela felicidade junto deles, odiando-os por fim...

Amaro confiou-se a longa pausa e continuou:

— Quem poderá explicar os enigmas do cora­ção humano? quem possuirá bastante visão para surpreender os caminhos da alma? Incapaz de do­minar-me, cometi a falta de assumir um compro­misso espiritual que não me competia... Lina agar­rou-se ao meu afeto com o vigor da hera numa construção sem defesa... E foi assim que, em cer­ta manhã de maio, meu companheiro encontrou-nos juntos... Desesperado, Júlio ingeriu grande quan­tidade de corrosivo, mas, amparado suficientemen­te, foi salvo... Debalde, porém, submeteu-se ao tratamento na caserna. Adquiriu estranhos pade­cimentos da garganta e do esôfago e, não sabendo como suportar as provações físicas e morais, ar­rastou-se, um dia, até às águas do Paraguai, su­pondo encontrar na morte a paz que procurava... Experimentando pesados remorsos, por minha vez perdi a afeição que me algemava à mulher que nos atraira e infelicitara e fugi dela, fugi incorporan­do-me às tropas que combateriam os derradeiros remanescentes de Solano López, na Cordilheira... Prometi-lhe a volta, todavia, terminada a luta, tor­nei à pátria por outros caminhos, decidido a ja­mais reencontrá-la...

Amaro, mais comovido, passou a destra pelo rosto e prosseguiu, depois de breve pausa:

— Dez anos correram, apressados... Nova­mente no Rio, casei-me e fui feliz... Numa noite de chuva forte, minha esposa e eu tornávamos do teatro, quando os cavalos em disparada colheram pobre mulher embriagada na via pública... O co­cheiro sofreou os animais e desci a socorrê-la... E enquanto minha companheira continuava o tra­jeto para a casa, procurei internar a mísera cria­tura para a assistência imediata... Guardas e populares auxiliaram-me a empresa, mas com ines­quecível assombro, quando a mulher foi recolhida ao leito, de ventre rasgado a esvair-se em sangue, nela identifiquei Lina Flores... Por dois dias lutou contra a morte... A infeliz reconheceu-me, rela­cionou as desditas que atravessara, desde que se viu sózinha no Paraguai, esclareceu que viera ao Rio à minha procura e emocionou-me com a nar­ração do drama angustioso em que vivia, tentando a recuperação da felicidade que perdera para sem­pre... Morreu revoltada e sofredora, amaldiçoan­do o mundo e as criaturas...

Amaro interrompeu-se, titubeante.

Mário Silva, estupefato, fixava-o, entre o de­sespero e o pavor.

Notava-se que o ferroviário esforçava-se, em vão, para reaver novas faixas da memória.

Nosso instrutor, contudo, afagou-lhe a fronte, envolvendo-o em renovadas forças magnéticas, e perguntou:

— Onde voltaste a vê-la?

O interpelado esboçou o sorriso de quem reco­lhera a resposta em si mesmo e informou:

— Ah! sim... reencontrei-a na vida espiritual. Achava-se unida a Júlio em aflitivas condições de sofrimento depurador... Compreendi a extensão de meu débito e prometi ressarci-lo... Ampará­-los-ia... Auxiliaria os dois na senda terrestre... Lutaríamos, lado a lado, para conquistar a coroa de redenção... Sim, sim, o destino!... E’ preciso solver os compromissos do passado, conquistando o futuro!...

Calou-se o esposo de Zulmira, visivelmente fa­tigado, mas o enfermeiro, não obstante contido pela força paternal de Clarêncio, começou a chamar por Júlio emitindo brados terríveis.


Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A DOR E A FELICIDADE PARTILHADA

A dor partilhada é metade da tristeza, mas a
felicidade quando partilhada, é dobrada!


Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital. Um deles podia sentar-se na sua cama durante uma hora todas as tardes para conseguir drenar o líquido de seus pulmões. Sua cama estava junto da única janela do quarto. O outro homem tinha de ficar sempre deitado de costas para a janela. Os homens conversavam horas a fio. Falavam das suas mulheres e famílias, das suas casas, seus empregos, seu envolvimento no serviço militar, locais onde eles passava as férias. Todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, ele passava o tempo descrevendo ao seu companheiro todas as coisas que ele podia ver do lado de fora da janela. O homem da cama do lado começou a viver para aqueles períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a atividade e cor do mundo do lado de fora. A janela dava para um parque com um lindo lago de patos e cisnes brincavam na água enquanto crianças com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braços dados por entre as flores de todas as cores e uma bela vista da silhueta da cidade podia ser visto na distância. Quando o homem perto da janela descrevia isto tudo com detalhes requintados , o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava esta cena pitoresca . Uma tarde quente, o homem perto da janela descreveu um desfile que passava. Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda - ele podia vê-lo no olho da sua mente como o senhor a retratava através de palavras descritivas . Dias , semanas e meses se passaram. Uma manhã , a enfermeira chegou ao quarto trazendo água para os seus banhos, e encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela , que tinha morrido tranquilamente em seu sono . Ela ficou muito triste e chamou o atendentes para que levassem o corpo . Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira ficou feliz em fazer a troca , e depois de ter certeza que ele estava confortável , ela deixou ele sozinho. Vagarosamente, pacientemente , ele se apoiou em um cotovelo para tomar o seu primeiro olhar para o mundo real. Fez um grande esforço e lentamente a olhar para fora da janela além da cama . Ele enfrentou uma parede em branco . O homem perguntou à enfermeira o que poderia ter levado seu companheiro falecido, que tinha descrito coisas tão maravilhosas fora dessa janela. A enfermeira respondeu que o homem era cego e nem sequer conseguia ver a parede. Ela disse: Talvez ele só queria encorajar você. Há uma felicidade tremenda em fazer os outros felizes, apesar dos nossos próprios problemas . A dor partilhada é metade da tristeza, mas a felicidade quando partilhada, é dobrada. Se você quer se sentir rico, conta todas as coisas você tem que o dinheiro não pode comprar. "Hoje é uma dádiva, é por isso que é chamado de O PRESENTE".

Desconhecemos autoria.

RECUANDO NO TEMPO

Depois do nosso esforço de autocondensação, para o necessário ajuste vibratório, Clarêncio abei­rou-se dos dois amigos, com o amoroso poder que lhe era característico e, em nos reconhecendo, Má­rio associou-nos a presença ao pesadelo da véspera e passou a clamar:

— Meu caso não é com a polícia!... não pre­cisamos de qualquer delegado aqui!...

— Acalma-te, amigo! — respondeu o Ministro, atencioso. — Não somos quem julgas. Estamos aqui para que te lembres... É indispensável te recordes.

E, situando a destra na fronte do enfermeiro, reparamos que Mário Silva aquietava-se, de repente.

O semblante dele acusou estranha metamor­fose.

Afigurou-se-nos mais elegante, mais jovem.

Abriu desmesuradamente os olhos, depois de alguns momentos, e exclamou, semi-aterrado:

— Ah! agora!... agora me lembro!... Meu agressor de ontem é Leonardo Pires... Como po­deria esquecê-lo assim tão infantilmente? como não rememorar? Disputávamos a mesma mulher... Achávamo-nos em Luque, quando conheci a can­tora e bailarina admirável... Lola Ibarruri! Quem senão ela poderia oferecer-me o bálsamo do esque­cimento? Realmente fiz tudo para separá-los...

Ele não era o tipo de homem capaz de fazê-la feliz! Lola trazia consigo a beleza, a juventude e a arte reunidas e eu carregava no peito o esquife dos sonhos mortos... Deu-me o repouso de que minh'alma necessitava... restaurou-me. Mas... que domingo terrível aquele da praça embandeirada, em Piraju!... Deslocavam-se as forças para a caça ao inimigo... Imaginava, porém, a melhor maneira de reencontrar a mulher querida e, naquela manhã de terrível memória, consegui a simpatia de Frei Fidélis, antes da missa... O caridoso capuchinho auxiliar-me-ia, advogando-me a causa... Lola não deveria movimentar-se, entretanto, poderia, por mi­nha vez, tornar à retaguarda!... Os maiorais eram meus amigos!... Obteria, por isso, o favor do Príncipe!... Arquitetava meus planos, quando en­contrei Leonardo... Não supunha conhecesse ele a deserção da companheira e procurei agradá-lo, aceitando-lhe a companhia... O suculento repasto exigia algum trago de vinho e Pires não hesitou, ministrando-me o veneno que trazia às ocultas!... Ah! bandido! bandido!...

Mário levou as mãos à garganta, como se registrasse enorme sofrimento e caiu, desamparado, gemendo de dor.

O Ministro, paciente, aplicou-lhe recursos mag­néticos balsamizantes e o rapaz levantou-se, atur­dido.

Amaro, que se mostrava igualmente transtor­nado, acompanhava a cena com manifesta aflição.

Clarêncio ajudou o enfermeiro a firmar-se de novo sobre os pés e perguntou, concitando-o a re­lembrar:

— Por que razão te afeiçoaste à cantora, com tamanho desvario? porque não atendeste aos avi­sos da consciência, que, decerto, te rogava não despertasses o ódio naquele que te aniquilaria o corpo físico?

Apresentando a expressão de um louco, Mário desferiu desconcertante gargalhada e bradou:

— Porque amei Lola Ibarruri? porque não tive escrúpulos em arrebatá-la ao companheiro que a retinha nos braços?

Nosso instrutor afagava-lhe a cabeça com o evidente intuito de reavivar-lhe a memória.

— Ah! sim!... — prosseguiu Mário Silva, alar­mado — ausentei-me de Assunção com o espírito irremediá
velmente desiludido...

De olhar vagueante, como se surpreendesse o passado ao longe, nos recôncavos da noite, conti­nuou:

— Nos arredores da formosa capital para­guaia, construíra minha casa e era feliz!... Lina era o tesouro de meu coração... Minha amiga e minha esposa, minha esperança e minha razão de ser...

Descendente de uma das famílias de Mato Grosso aprisionadas pelo inimigo, na invasão de dezembro de 1864, encontrei-a sem parentes, asi­lada por respeitável família, que a adotara por fi­lha estremecida!... Ah! quando lhe fitava os olhos claros e doces, sentia-me transportado a céus imen­sos... Era tudo o que a mocidade ideara de mais lindo para o meu coração... Nela encontrava a divina novidade de cada dia e, apesar das vicissitudes da guerra, mergulhávamo-nos ambos na rósea corrente dos mais belos sonhos... O próprio Marquês de Caxias conheceu-a e animou-nos a união... Foi assim que, em janeiro de 1869, quan­do a trégua nos atingira, um sacerdote consagrou-nos o casamento... O Conselheiro Paranhos pro­meteu ajudar-nos, tão logo regressássemos ao Bra­sil, para que o nosso consórcio fosse devidamente festejado... Vivíamos tranquilos, como duas aves entrelaçadas no mesmo ninho, quando tive a des­graça de levar ao nosso templo doméstico dois companheiros de trabalho e de ideal... Armando e Júlio... Sim, seriam eles amigos ou abutres?

Sei apenas que Lina e eles se fizeram íntimos em pouco tempo... Com a desculpa de aliviarem os sofrimentos da campanha, os dois passaram a gastar, em nosso pequeno santuário de ventura, todo o tempo que lhes era disponível. Descansava mi­nhalma na confiança sincera, até que um dia...

O semblante do narrador alterou-se, de súbito.

Esgares de amargura modificaram-lhe a feição.

Imprimindo à voz lúgubre acento, continuou, atormentado:

— Até que, um dia, encontrei Lina e Júlio abraçados um ao outro, como se o tálamo conju­gal lhes pertencesse.

Cravou em nós o olhar agora coruscante e terrível e acrescentou:

— Compreenderão, acaso, a dor do homem que se vê irremissivelmente atraiçoado pela mulher em que se apóia para viver? Entenderão o incêndio que lavra no espírito flagelado de quem, num mi­nuto, vê destruidas as esperanças da vida intei­ra?... Tudo é treva para quem carrega consigo mesmo o carvão dos enganos mortos! Não quis acreditar no que via e interpelei a mulher ama­da... Lina, porém, atirou-me em rosto o mais frio desprezo... Afirmou, rudemente, que não podia amar-me, senão como irmã que se compadece de um companheiro necessitado, que me desposara simplesmente para fugir às humilhações que expe­rimentava numa terra estrangeira e que eu, efetivamente, deveria desaparecer... Envergonhado, in­voquei a proteção de superiores amigos e fugi de Assunção... Eu era, contudo, um homem diferen­te... A segurança de caráter que cultivava, brioso, fora abalada nos alicerces... Viciei-me... Confiei-me ao álcool e ao jogo... Do militar responsável, desci à condição de aventureiro infeliz... Foi as­sim que encontrei Lola e Leonardo e não hesitei em exterminar-lhes a felicidade... É muito difícil albergar respeito aos outros, quando fomos pelos outros desrespeitado.

Valendo-se da pausa que se evidenciava, es­pontânea, Clarêncio indagou:

— E nunca recebeste notícias da esposa?

Mário Silva, reconduzido à personalidade de Esteves pela influência magnética, exibiu sarcástico sorriso e informou:

— Lina, que passei a odiar, era demasiado cruel. Achava-me não longe de Assunção, depois de três meses sobre a mágoa terrível que me fora assacada, quando vim a saber que Júlio fora igual­mente escarnecido por ela. Certo dia, de volta ao lar, encontrou-a nos braços de Armando, o outro amigo que parecia consagrar-nos estima fraternal. Menos forte que eu mesmo, Júlio esqueceu-se do revés com que me dilacerara, semanas antes, e, cego de absorvente afeição, ingeriu grande dose de corrosivo... Socorrido a tempo, na caserna, con­seguiu sobreviver, mas, incapaz de suportar os ma­les corpóreos decorrentes da intoxicação, depois de alguns dias embebedou-se deliberadamente e arro­jou-se às águas do Paraguai, aniquilando-se, en­fim... Depois disso, nada mais soube. A morte aguardava-me em Piraju... O destino marcara-me, impiedoso...

Mário fixou desagradável carantonha e acen­tuou:

— Sou um poço de fel. Não posso modificar-me... Haverá paz sem justiça e haverá justiça sem vingança?

Nosso orientador ergueu a voz calmante e con­siderou, generoso:

— É necessário esquecer o mal, meu amigo. Sem aquela atitude de perdão, recomendada pelo Cristo, seremos viajores perdidos no cipoal das tre­vas de nós mesmos. Sem amor no coração, não teremos olhos para a luz.

Silva dispunha-se a responder, entretanto, Ama­ro fizera ligeiro movimento e mostrou-se-nos singu­larmente renovado. Seu veículo espiritual parecia haver regredido no tempo. Revelava-se mais leve e mais ágil e sua face impressionava pelos traços juvenis.

Buscou aproximar-se do enfermeiro num gesto natural de cordialidade, todavia, em lhe observando o rosto metamorfoseado, o antagonista bradou en­tre o ódio e a angústia:

— Armando! Armando! ... Pois és tu? O Ama­ro que hoje detesto é o mesmo Armando de ontem? onde me encontro? enlouqueci, porventura?...

Instruindo-nos, cuidadoso, Clarêncio falou, rápido:

— Não precisei despender grande esforço para que a memória de Amaro tornasse ao pretérito. O sofrimento reparador conferiu-lhe à mente e à sensibilidade recursos novos. Bastou-me tocá-lo de leve, para que aproveitasse a digressão do antigo companheiro, recuperando as recordações da época em estudo...

O esposo de Zulmira procurava estender braços amigos ao adversário que o contemplava, galvani­zado de assombro, contudo, recuando, de repente, como animal ferido, Mário gritou em desespero:

— Não, não! não te acerques de mim! não me provoques, não me provoques!...

O Ministro, no entanto, situando-se entre os dois, pediu, comovidamente:

— Tenhamos calma! Respeitemo-nos uns aos outros!

E, dirigindo-se particularmente ao enfermeiro, determinou, sem afetação:

— Agora, é o momento de nosso amigo. Co­mentaste o pretérito à vontade. É indispensável que Amaro fale por sua vez. A justiça, em qual­quer solução, deve apreciar todas as partes inte­ressadas.

Contido pela força moral da advertência, Má­rio calou-se e, voltados então para o ferroviário, que se fizera mais simpático pela serenidade de que se investira, continuamos à escuta.




Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.


domingo, 26 de janeiro de 2014

SE EU MORRER ANTES DE VOCÊ

Se eu morrer antes de você, faça-me um favor: Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado. Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria. Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão. Se me elogiarem demais, corrija o exagero. Se me criticarem demais, defenda-me. Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam. Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo. Espero estar com Ele o suficiente para continuar sendo útil a você, lá onde estiver. E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase: "Foi meu amigo, acreditou em mim e me quis mais perto de Deus!" Aí, então derrame uma lágrima. Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal. Outros amigos farão isso no meu lugar. E, vendo-me bem substituído, irei cuidar de minha nova tarefa no céu. Mas, de vez em quando, dê uma espiadinha na direção de Deus. Você não me verá, mas eu ficaria muito feliz vendo você olhar para Ele. E, quando chegar a sua vez de ir para o Pai, aí, sem nenhum véu a separar a gente,vamos viver, em Deus, a amizade que aqui nos preparou para Ele. Você acredita nessas coisas? Então ore para que nós vivamos como quem sabe que vai morrer um dia, e que morramos como quem soube viver direito. Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo. Mas, se eu morrer antes de você, acho que não vou estranhar o céu.. Ser seu amigo... já é um pedaço dele..."


Chico Xavier

NOVAS EXPERIÊNCIAS

Noite fechada e alta, tornamos ao domicílio do enfermeiro, seguidos de Clarêncio, que funcionava, como sempre, junto de nós, por mentor diligente e amigo.

Mário Silva, estirado nos lençóis, debalde pro­curava dormir.

O sonho da véspera castigava-lhe o pensamento.

Ruminando as impressões da manhã, refletia de si para consigo: — seria realmente Amaro, o rival, quem lhe surgira na forma de um criminoso? e aquela mulher chorosa e acabrunhada seria, por­ventura, Zulmira, a companheira de infância, que ainda lhe feria as recordações? onde o motivo de semelhante reencontro? Teimava em afastar para longe as reminiscências da mocidade... por isso mesmo, não acreditava estivesse nele próprio a cau­sa do estranho pesadelo... Permanecia convicto de que alguém o chamara, nitidamente, pronunciando palavras que o constrangiam a atender... Estaria Zulmira em apuros? E esta, acaso se recordaria dele? E se as suas conjecturas expressassem a ver­dade, teria o direito de reaproximar-se? Não ima­ginava isso possível... A chaga do brio retalhado ainda lhe sangrava no coração. Não seria justo acudi-la, nem mesmo a pretexto de socorrer. Co­nhecia-lhe o esposo de relance, mas o suficiente para detestá-lo, com todas as reservas de ódio de que se sentia capaz. Ainda mesmo que a mulher, outrora querida, lhe suplicasse assistência, cabia-lhe ser surdo aos seus rogos...

Hipóteses inquietantes e perguntas sem respos­ta lhe assediavam o cérebro toldado de apreensão e rancor.

A antiga aversão pelo rival preponderava, do­minando-o.

Porque não voltar ao sonho da noite anterior, de modo a tentar uma solução?

A figura de Amaro crescia-lhe no campo mental.

«Se as almas podiam efetivamente reencon­trar-se, fora do corpo — prosseguia divagando —, decerto conseguiria rever o adversário e revidar... Se fora invocado em sonho, era lícito invocar quem quisesse... Chamaria o renegado esposo de Zul­mira a explicar-se. Concentraria nele o poder do pensamento. Buscá-lo-ia onde estivesse. »

O Ministro contemplava-o, compadecido.

Valendo-se dos minutos para ensinar-nos algo proveitoso, observou:

— A paixão cega sempre. Nossa vida mental é a nossa vida verdadeira e, por isso, quando a pai­xão nos ocupa a fortaleza íntima, nada vemos e nada registramos senão a própria perturbação.

Em seguida, aplicou passes balsamizantes so­bre o rapaz, que se virava, desajustado, no leito - Mário, qual se houvera sorvido brando anes­tésico, relaxou os nervos e descansou o comboio físico, mas, ressurgindo em nosso plano, começou a extravasar os sentimentos que lhe senhoreavam o espírito.

Não nos assinalava a presença, continuando, porém, sob a nossa observação, em seus mínimos movimentos.

Espantadiço e tateante, vagueou pelos ângulos do quarto no veículo perispirítico, extremamente condensado.

Todavia, pouco a pouco, esgazearam-se-lhe os olhos, dando-nos a idéia de quem se detinha em aflitivos quadros íntimos.

Anotando-nos o assombro silencioso, o instru­tor socorreu-nos, explicando:

— Qual acontece ao nosso amigo Leonardo, o novo companheiro padece angustioso complexo de fixação. Embora tenha o seu caso particular, algo suavizado pelas lutas da carne, que, por vezes, cons­tituem abençoado entretenimento, não consegue di­luir a obcecante recordação do inimigo. A mágoa é-lhe inquietante ferida mental. Enquanto se dis­trai nas tarefas comuns, alheia-se, de alguma sor­te, ao tormento oculto que transporta consigo, mas, em se vendo espiritualmente a sós, dá curso ao ódio coagulado, desde muito, no coração. Obser­vemo-lo!

Mário desceu para a rua, à maneira de louco, e, inalando o ar refrescante da noite, forneceu a impressão de quem se revigorava, de súbito, pas­sando a gritar, com voz estridente:

- Amaro, ladrão! Amaro, usurpador! apare­ce! Se tens dignidade, afronta-me a vingança!... Não tremerei!... Onde ocultaste a mulher que eu amo? Responde, responde!...

Silva caminhava semi-ébrio, sem direção, con­tudo, arremessava as palavras no ar, com veemên­cia e segurança.

Havíamos dobrado esquinas diversas e eis que, quando menos esperávamos, surge alguém ao en­contro dele, em plena via pública.

Copiando o impulso do ferro atraído pelo ímã, o esposo de Zulmira, em seu corpo sutil, corres­pondia ao chamado estranho do inimigo, desligado parcialmente da carne.

Defrontaram-se, a princípio, altivamente, en­tretanto, logo após, com as maneiras do homem mais educado, Amaro esboçou delicado recuo, re­velando-se preocupado em evitar conflitos e abor­recimentos.

O enfermeiro, porém, de ânimo revel, bradou, desconcertante:
— Não te acovardes, bandido! Não fujas!... Temos contas a ajustar!...

O ferroviário, contudo, afastava-se, rápido.

O adversário, no entanto, sem arrefecer no ímpeto, seguia-o, inflexível, longe de renunciar ao escuro propósito de agressão.

Acompanhávamos ambos, quarteirão a quar­teirão, até que esbarramos à entrada do abrigo doméstico que já conhecíamos, onde Amaro dispôs-se ao ajuste pacífico.

Demonstrando-se interessado em defender a tranquilidade familiar, o dono da casa estacou à porta, aguardando o provocador.

— Então — bradou Silva, exasperado —, é aqui o ninho das serpentes?

Levantando os punhos contra o rival humil­de, prosseguiu, rixento:

— Pagar-me-ás muito caro a intromissão! In­fame enganador, onde puseste a mulher que era minha felicidade e minha vida? Quebraste-me os sonhos, aniquilaste-me os ideais!... Homem terrí­vel, que fizeste de mim? Sou apenas máquina de trabalho, sem fé e sem esperança!...

— Eu não sabia, não sabia!... — alegou Ama­ro, desapontado — nunca tive a intenção de ofen­der-te!

— Maldito! como sabes dissimular! onde está Zulmira? devo exterminar-te para restituir-me a independência?

E afrontado pela serenidade do outro, o enfer­meiro acentuou:

— Não me reconheces, acaso?

— Sim, reconheço-te — falou o interlocutor num suspiro —, és Mário Silva, pessoa a quem devoto consideração e respeito.

— Consideração e respeito? que deslavado fin­gimento! onde a prova de apreço, se me arrancaste a noiva, engodando-a com mentirosas promessas?

— Somente soube de tua velha afeição por ela quando meus compromissos no matrimônio não admitiam qualquer recuo. Se alguém, todavia, me houvesse comunicado lealmente quanto se desen­rolava, em torno de minha preferência, teria renun­ciado em teu favor. Desejaria realmente servir-te, entretanto, agora...

— Hipócrita! — tornou Mário, enfurecido —não creio em tua palavra de lobo disfarçado. Rou­baste-me a única felicidade que eu esperava do mundo! a única felicidade que era minha!...

Amaro fixou triste sorriso e obtemperou:

— E acreditas que eu seja feliz? Admites no casamento apenas a exaltação dos sentidos inferio­res? Crês que o homem consorciado deva encon­trar na mulher simplesmente uma escrava?

Anuo em Zulmira a companheira e a irmã que me cabe proteger. Nem ela e nem eu encontramos na expe­riência conjugal a ventura das afeições cor-de-rosa, em que o desejo contentado é como a flor que mor­re num dia... Temos padecido muito, Mário. Não ignoras que me casei em segundas núpcias. Zul­mira, por isso mesmo, não terá recolhido em mim a perfeita alegria que lhe seria lícito esperar. Nos­sa aproximação começou por uma série de desajus­tes, que culminaram com a morte do meu caçula, num terrível desastre... Desde então, nossa casa é um espinheiro de sofrimento... Minha esposa adoeceu gravemente e eu mesmo, até agora, con­tinuo agoniado e desfalecente... Saberias, porven­tura, o que seja a desdita de um pai que chora sem lágrimas, mortalmente ferido? Se dívidas pos­suo para com a Divina Providência, podes acredi­tar que não tenho amargado pouco, a fim de ressarci-las... A morte para mim não passaria de bênção libertadora. Como podes observar, não me vejo em condições de aceitar-te o desafio! Estou dilacerado e, mais que dilacerado, vencido...

Com enternecedora inflexão de súplica, acen­tuou:

— Se ainda consagras amor à criatura que desposei, ajuda-nos com a tua compreensão!... Se te fiz algum mal, inconscientemente, perdoa-me! Perdoa-me pelas angústias da minha existência de condenado a horríveis provas morais!...

Mário Silva, com espanto nosso, retribuiu com escandalosa gargalhada.

— Desculpar? Nunca! — exclamou jactancio­so. — Pelo tom da conversa, concluo que a justiça começou a expressar-se, devidamente, mas abreviá­-la-ei com as minhas próprias mãos... Meu des­forço é certo, meu ódio é inexorável!...

Amaro não mais respondeu.

Vimo-lo curvar a cabeça em oração fervorosa. Suaves irradiações de esmeraldina luz escapavam-lhe da fronte. As palavras inarticuladas de que se servia, para implorar socorro, alcançavam-nos o espírito, qual se fossem ondas caloríferas e harmo­niosas de humildade e confiança.

Silva, incapaz de sensibilizar-se, ante a rendi­ção comovente, prosseguia gritando:

— Porque silencias, covarde? Fala, fala! Ex­plica-te!... Reage! Dominaste Zulmira, mas não me dobrarás um milímetro!... Criminosos de tua laia não merecem compaixão!...

Nessa altura do diálogo, Clarêncio convocou-nos, paternal:

— Respondamos à prece de Amaro, com o auxílio fraterno.

Arrastados pela simpatia e pela emoção, acom­panhamos o nosso orientador, sem hesitar.



Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

sábado, 25 de janeiro de 2014

NOSSOS PIORES INIMIGOS



Jesus havia proferido o maravilhoso Sermão da Montanha há apenas um dia. As frases ecoavam no ar, e aqueles que O ouviram ainda vivenciavam as vibrações especiais daquele momento.

Em Cafarnaum, um homem nobre, chamado Bartolomeu acercou-se de Jesus. As belas palavras proferidas significaram para ele um verdadeiro estatuto de conduta, e ele buscou o Mestre com uma grande dúvida.

Queria saber quais os piores adversários do ser humano. Perguntou quando se travaria a batalha contra esses inimigos e quais as armas a serem usadas.

Jesus, cheio de compaixão, respondeu: Eu te direi que esses inimigos se encontram dentro de cada um, e ali trabalham pela infelicidade do ser.

Todos os indivíduos apontam esses inimigos fora deles mesmos, supondo que as aflições vêm de fora, de outras pessoas, e então, tornam-se rebeldes e vingativos.

O mais impiedoso de todos os inimigos é o egoísmo, devorador de alegrias alheias. Há também a avareza, a inveja, a maledicência, o ódio, o ciúme, a ambição desmedida, o ressentimento.

E concluiu: A luta para vencer esses inimigos deve ser travada no campo da consciência, transformando as tendências inferiores, adotando uma conduta rica em misericórdia , compaixão, fraternidade e caridade.

Nada mais precisava ser dito. Bartolomeu entendeu quais eram os grandes adversários do ser humano, e como poderiam ser combatidos.

* * *

Passados mais de dois mil anos, as palavras do Mestre continuam tão atuais como outrora.

Muitos de nós ainda têm o hábito de responsabilizar o mundo externo por grande parte do que acontece de errado, consigo ou com outros, sem parar para analisar as reais causas.

Julgamos os conflitos armados sob a ótica que nos parece mais adequada, tomando este ou aquele partido.

No entanto, quase nunca paramos para pensar que o mesmo ódio, a mesma ganância, o mesmo ressentimento que originou esse conflito, muitas vezes vive em nós, com diferentes causas e consequências, mas com a mesma paixão.

Falamos sobre a violência urbana, e sempre temos uma solução para ela. Mas esquecemos que nossa indiferença gera a necessidade, e até o ódio daquele que rouba.

Falamos sobre a corrupção, como se ela fosse exclusiva daqueles que detêm o poder. Mas esquecemos que a ambição desmedida que a gera, muitas vezes vive dentro de nós, mesmo que em menores proporções.

Comentamos sobre famílias desfeitas por egoísmo, e achamos que o nosso próprio egoísmo é justificável pois, afinal, temos as nossas necessidades.

Adiamos, quase sempre, o início de um trabalho voluntário, com a desculpa de não termos tempo, e nos esquecemos de desenvolver em nós a caridade, a fraternidade, a compaixão, o real amor ao próximo.

Nossos piores inimigos estão em nós mesmos, como disse Jesus, e já é tempo de os reconhecermos. Somente assim poderemos travar nossa batalha pessoal contra eles, na qual a principal arma é o amor.

O Sermão da Montanha é um verdadeiro chamamento feito por Jesus que, desde então, espera pacientemente que O escutemos.

E você? Já O escutou de verdade? Já leu com atenção aquelas belas palavras? Já abriu os ouvidos e o coração em busca da única vitória que realmente interessa: a vitória sobre nós mesmos e nossas imperfeições morais?

Pense nisso.




Redação do Momento Espírita com base no cap. 6, do livro A mensagem do Amor Imortal, pelo Espírito Amélia Rodrigues, psicografia de Divaldo Pereira Franco, ed. Leal.

ALÉM DO SONO

Tornando à Esteves, Clarêncio ofereceu-lhe o braço amigo, mas o moço prorrompeu em súplica:

— Não me prendam! não me prendam! Sou a vítima!...

O Ministro absteve-se de continuar em sua afe­tiva manifestação.

No passo vagaroso de quem carrega um fardo de aflição, o inimigo de Leonardo retirou-se para a via pública, regressando ao aconchego doméstico.

Seguimo-lo a pequena distância.

Renovava-se o dia.

Pedestres marchavam diligentes, na direção do trabalho.

Bondes rangiam, sonolentos, e os autos, aqui e ali, começavam a transitar pelas ruas.

Em breve tempo, o rapaz, seguido de nosso grupo, estacionou à frente de vasto conjunto residencial.

Grande relógio próximo exibia o mostrador.

Cinco horas e trinta minutos.

Embatucado, o moço voltou-se para nós, e, em seguida, desapareceu no interior.

Entramos.

Em momentos rápidos, achavamo-nos diante dele, que se esforçava por reaver o corpo físico.

O Ministro, sem molestá-lo, amparou-o afetuo­samente, e Esteves, pouco a pouco, recuperou a calma natural.

Mantinha-se em suave modorra, quando o des­pertador tilintou, faltando quinze minutos para seis.

O rapaz esfregou os olhos, de carantonha amar­rada, guardando a impressão de mau sonho.

Vestindo-se, apressado, notamos que minúsculo cartão de visita lhe caiu do bolso, ensejando-nos a leitura de um nome: — «Mário Silva, Enfer­meiro».

E o nosso instrutor reafirmou:

— Nosso amigo, ontem Esteves, hoje é Mário Silva, prosseguindo em sua vocação para a enfer­magem. Ouçamo-lo por alguns momentos.

O moço atendeu às obrigações da higiene e, logo após, foi recebido em pequena sala do aparta­mento por simpática velhinha, em cujo olhar adi­vinhamos a ternura de mãe.

Depois de saudação carinhosa, a senhora in­dagou bem humorada:

— Onde esteve esta noite, meu filho? Seu sem­blante carregado não me engana.

— Um sonho horrível, mamãe.

E fixando gestos expressivos, entre os goles do café notificou:

— Sonhei que alguém me chamava, a distân­cia, em voz alta, e, acreditando tratar-se de algum doente em estado grave, não vacilei. Corri ao ape­lo, mas, ao invés de topar um quarto de enfer­mo, vi-me, de imediato, numa cela mal iluminada e úmida...

E, com os recursos de imaginação de que dis­punha para corresponder às requisições da mente, o rapaz continuou:

- Era um perfeito cubículo de prisão, onde me surpreendi encarcerado, de repente, junto de um criminoso de mau aspecto e de infortunada mu­lher em pranto... Senti tanta simpatia pela moça desventurada, quanta aversão pelo réu de medonha catadura. Tive, porém, a impressão nítida de que nos conhecíamos. Um misto de ódio e sofrimen­to me tomou de assalto, junto deles, principalmen­te ao lado do infeliz, cujo olhar se me afigurava cruel... Perguntava, a mim mesmo, Porque me não retirava de tão detestável presença, mas, enquanto o homem me repelía, a mulher me provocava o maior enternecimento... Por mais estranho que pareça, experimentava o desejo de agredí-lo e de acariciá-la, ao mesmo tempo. Achava-me em expec­tativa, quando o criminoso avançou para mim, com o propósito evidente de liquidar-me, ao passo que a pobrezinha procurava defender-me. Estava atô­nito, ignorando se o condenado pretendia assassínar-me ali mesmo quando tentei uma reação à altura! Cego de incompreensível rancor, ia preci­pitar-me sobre ele, quando, rápido, apareceu um delegado policial, seguido de dois guardas que en­traram na contenda, impedindo-nos o mau impulso. O chefe, segundo percebi, de um só golpe conte­ve o meu agressor, obrigando-o a sentar-se, vencido, conquistando-me um respeito tão grande que, real­mente, apesar do desejo de ouvir a mulher ajoe­lhada, em soluços não arredei pé do lugar em que me apoiava. Depois de palavras enérgicas e rápi­das, o delegado trouxe, então, à cela outros aju­dantes que arrastaram meu adversário para fora... Logo após, acomodando-me numa velha cadeira, reconduziu a jovem para o interior do cárcere...

Estampou na fisionomia a expressão de quem se propunha inütilmente lembrar-se e, decorridos longos instantes de reticência, rematou:

— Depois... depois, não consigo precisar as recordações .. Sei apenas que me pus a correr, em fuga para nossa casa, de vez que os policiais se mostravam igualmente dispostos a recolher-me. Temendo o xadrez, acordei estremunhado e abatido...

A velhinha que escutava atenciosa, comentou calma:

— Há Sonhos que valem por terríveis pesa­delos...

— É o que senti — concordou Mário, preo­cupado.

A mãezinha contemplou-o, bondosa, e acres­centou:

— Meu filho, o sonho terá alguma relação com a nossa Zulmira? A mulher com quem simpatizou não seria, acaso, nossa velha amiga, e o homem que lhe inspirou tanta repugnância não poderia ser interpretado como sendo o esposo dela?

O rapaz cobriu-se de leve palidez, mostrou-se mais taciturno e falou, triste:

— Quem sabe?

— Você nunca mais teve notícia de nossa an­tiga companheira?

— Não. Tenho apenas a informação de que mora aqui mesmo, onde o marido é ferroviário de importância.

— Nunca pude entender-lhe a atitude. Tantos anos de convivência, tantos projetos de felicidade!... Trocar tudo, assim, por um viúvo, acompanhado de dois filhos!...

O moço fixou um gesto de amargura e ob­servou:

— Ora, mamãe, evitemos recordações sem pro­veito. Zulmira não deve reaparecer em minha me­mória e esse Amaro que ela desposou é um ponto negro em meu coração. Creio que o melhor senti­mento para eles dois em minha vida íntima é o ódio com que os reúno em minha lembrança.

Não desejo revê-los e, francamente, se eu soubesse que residiam aqui, em nossa vizinhança, decidiria nos­sa transferência para outro rumo...

E, transcorridos alguns instantes, ajuntou:

— Meu sonho foi um simples pesadelo. Algu­ma preocupação imprecisa ou alguma intoxicação alimentar...

A senhora sorriu, desapontada, e aduziu:

— Cá por mim, estou certa de que, à noite, reencontramos as pessoas que amamos ou detesta­mos. Nosso Espírito, no sono, procura os afetos ou os desafetos do caminho para acertar as próprias contas. Disso, não tenho qualquer dúvida.

O filho, indiscutivelmente enfadado, reergueu-se, abraçou a genitora, osculou-lhe a cabeça bran­ca e concluiu:

O relógio é inflexível. O sonho passou e, agora, é a realidade que me espera. Devo cooperar no serviço operatório de duas crianças, às oito em ponto. Não me posso demorar. O hospital não cogita de pesadelos.

Mostrou um sorriso forçado e despediu-se.

A mãezinha acompanhou-o carinhosamente até à porta, retomando os serviços caseiros, pensativa...

Preparando-nos para a retirada, trazia o meu cérebro castigado por obsidiantes interrogações.

Encontráramos um novo capítulo na história da oração de Evelina?

Amaro e Zulmira, mencionados pelo enfermei­ro, seriam as mesmas personagens que havíamos visitado anteriormente?

Dispunha-me à inquirição, quando o olhar de Clarêncio cruzou com o meu. Registrando-me a es­tranheza, informou:

— Já sei o teor de tuas interrogações. Real­mente, o nosso novo amigo foi noivo de Zulmira, a senhora obsidiada que conhecemos. Pretendia desposá-la, mas foi preterido no coração dela por Amaro, que lhe deve assistência e carinho. O pas­sado fala no presente. Acham-se enredados numa teia de compromissos que lhes reclamam resgate.

— E reencontrar-se-ão para o desdobramento das lutas redentoras em que se envolvem? — per­guntou Hilário, admirado.

— Inevitávelmente — acentuou o instrutor com voz segura.

A dona da casa, mãe devotada e sensível, me­ditando no sonho do filho, embora movimentando automáticamente a vassoura, orava por ele, rogan­do a Jesus o abençoasse.

Anotávamos-lhe as reflexões na mente preo­cupada. Sabia quanto custara ao moço renunciar à mulher escolhida. Conhecia-lhe o temperamento enigmático e receava tornar a vê-lo atormentado e vencido...

O pensamento em prece escapava-lhe da ca­beça, como tênue esguicho de luz.

Clarêncio abeirou-se dela e transmitiu-lhe for­ças calmantes, que lhe sossegaram o coração.

Em seguida, o orientador no-la apresentou, generoso:

— Nossa irmã Minervina é velha conhecida. Recebeu nos braços meia dúzia de filhos que tem sabido conduzir, admiràvelmente. Coração abnega­do, alma rica de fé.

Abraçamo-la, carinhosamente, às despedidas. De regresso, reparando que estávamos desejosos de seguir Mário Silva para obter maiores in­formes, no desenvolvimento de nossa história que começava a ser fascinante, o Ministro recomendou:

— Não convém incomodar nossos amigos no curso das obrigações diuturnas, provocando eluci­dações que seriam desagradáveis e fora de ocasião. Aguardemos a noite, porque enquanto o corpo fí­sico se refaz a alma invariavelmente procura o lu­gar ou o objeto a que imanta o coração.

Ouvimos o orientador e aquietamo-nos.

Cabia-nos aguardar a noite, quando se esten­deriam as nossas experiências.



Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

CHAVES LIBERTADORAS - REEQUILÍBRIO

DESGOSTO 
Qualquer contratempo aborrece. No entanto, sem desgosto, a conquista de experiência é impraticável... 
OBSTÁCULO 
Todo empeço atrapalha. Sem obstáculo, porém, nenhum de nós consegue efetuar a superação das próprias deficiências. DECEPÇÃO. 
Qualquer desilusão incomoda. Todavia, sem decepção, não chegamos a discernir o certo do errado.
ENFERMIDADE 
Toda doença embaraça. Sem a enfermidade, entretanto, é muito difícil consolidar a preservação consciente da própria saúde. TENTAÇÃO 
Qualquer desafio conturba. Mas, sem tentação, nunca se mede a própria resistência. PREJUÍZO 
Todo o golpe fere. Sem prejuízo, porém, é quase impossível construir segurança nas relações uns com os outros. 
INGRATIDÃO 
Qualquer insulto à confiança estraga a vida espiritual. No entanto, sem o concurso da ingratidão que nos visite, não saberemos formular equações verdadeiras nas contas de nosso tesouro afetivo. 
DESENCARNAÇÃO 
Toda morte traz dor. Sem a desencarnação, porém, não atingiríamos a renovação precisa, largando processos menos felizes de vivência ou livrando-nos da caducidade no terreno das formas. Compreendamos, à face disso, que não podemos louvar as dificuldades que nos rodeiam, mas é imperioso reconhecer que, sem elas, eternizaríamos paixões, enganos, desequilíbrios e desacertos, motivo pelo qual será justo interpretá-las por chaves libertadoras, que funcionam em nosso espírito, a fim de que nosso espírito se mude para o que deve ser, mudando em si e fora de si tudo aquilo que lhe compete mudar.

Do livro "Paz e Renovação", pelo Espírito André Luiz, Francisco C. Xavier