quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

ANTE A REENCARNAÇÃO

Na noite imediata, atendendo-nos a solicitação, Clarêncio conduziu-nos ao domicílio do ferroviário, para observações.
Penetramos respeitosamente o quarto em que Odila nos recebeu, contente e gentil.
Tudo lhe parecia desdobrar-se com segurança.
Júlio dormia.
Não mais acordara, informou a guardiã, feliz. Tinha a impressão de que o reencarnante desapa­recia pouco a pouco, na constituição orgânica de Zulmira, como se a futura mãezinha fosse um fil­tro miraculoso a absorvê-lo.
A genitora desencarnada mostrava-se satisfei­ta e esperançosa. Preferia ver o filhinho confiado ao sono profundo. As aflições e os gemidos dele lhe haviam dilacerado o coração.
O renascimento, por esse motivo, representava uma bênção para as inquietantes responsabilidades maternais de que se via detentora.
Observamos que Júlio se caracterizava por enorme diferença.
O corpo sutil do menino denotava espantosa transformação. Adelgaçara-se de maneira surpre­endente.
Tive a idéia de que ele e Zulmira, alma com alma, se fundiam um no outro. A moça ganhara em plenitude física e vivacidade espiritual quanto perdia o menino na apresentação exterior. Julio adormecera aliviado, ao passo que a jovem senhora demonstrava admirável despertamento para a vida. A segunda esposa de Amaro modificara-se de modo sensível. Como as pessoas felicitadas por novos títulos de confiança no trabalho, revelava-se mais alegre e mais cônscia das obrigações que lhe competiam.
A transfusão fluídica era ali evidente.
O organismo materno assemelhava-se a um alambique destinado a sutilizar as energias do reencarnante para restituí-las, decerto, a ele mesmo, na formação do novo envoltório.
Registrando-nos o assombro, o instrutor expli­cou com a sua habitual gentileza:
— A reencarnação, tanto quanto a desencar­nação, é um choque biológico dos mais apreciáveis. Unido à matriz geradora do santuário materno, em busca de nova forma, o perispírito sofre a in­fluência de fortes correntes electromagnéticas, que lhe impõem a redução automática.
Constituído à base de princípios químicos semelhantes, em suas propriedades, ao hidrogênio, a se expressarem atra­vés de moléculas significativamente distanciadas umas das outras, quando ligado ao centro genésico feminino experimenta expressiva contração, à ma­neira do indumento de carne sob carga elétrica de elevado poder. Observa-se, então, a redução volumétrica do veículo sutil pela diminuição dos espaços inter-moleculares. Toda matéria que não serve ao trabalho fundamental de refundição da forma é devolvida ao plano etereal, oferecendo-nos o perispírito esse aspecto de desgaste ou de maior fluidez.
— Quer dizer então... — aventurou Hílário, em sua curiosidade construtiva.
— Quero dizer que os princípios organogêni­cos essenciais do perispírito de Júlio já se encontram reduzidos na intimidade do altar materno, e, à maneira de um ímã, vão aglutinando sobre si os recursos de formação do novo vestuário de car­ne que lhe será o vaso próximo de manifestação.
— E a forma a rarefazer-se sob nossos olhos? — inquiriu meu colega, espantado.

— Está em ativo processo de dissolução.

E, com a bela serenidade que lhe assinala o espírito, continuou elucidando:
— Também o corpo físico parece dormir na desencarnação, quando, na realidade, começa a res­tituir as unidades químicas que o compõem à Na­tureza que lhos emprestou a titulo precário, ape­nas com a diferença de que a alma desencarnada, ainda mesmo quando em deploráveis condições de sofrimento e inferioridade, avança para a liberta­ção relativa, ao passo que, em nos reencarnando, sofremos o processo de volta às teias da matéria densa, não obstante orientados por nobres objeti­vos de evolução. É por isso que, conduzidos à reconstituição orgânica, revivemos, nos primeiros tempos da organização fetal, embora apressada­mente, todo o nosso pretérito biológico.
Cada ser que retoma o envoltório físico revive, automática­mente, na reconstrução da forma em que se ex­primirá na Terra, todo o passado que lhe diz respeito, estacionando na mais alta configuração típica que já conquistou, para o trabalho que lhe compete, de acordo com o degrau evolutivo em que se encontra.
A maneira simples pela qual Clarêncio esflora­va problemas tão complexos, induzia-nos a sublimados pensamentos, quanto à magnitude das Leis Universais.
Ali, diante de um caso comum de reencarna­ção, auxiliado apenas pelas nossas preces no culto à fraternidade, obtínhamos vastas elucidações so­bre o plano geral da existência.
Inspirado talvez na mesma faixa de reflexões que me preocupavam o espírito, Hilário inquiriu:
— Os princípios que analisamos funcionam em igualdade de circunstâncias para os animais?

— Como não? — replicou o nosso orientador, paciente — todos nos achamos na grande marcha de crescimento para a imortalidade. Nas linhas infinitas do instinto, da inteligência, da razão e da sublimação, permanecemos todos vinculados à lei do renascimento como inalienável condição de pro­gresso. Atacamos experiências múltiplas e reca­pitulamo-las, tantas vezes quantas se fizerem ne­cessárias, na grande jornada para Deus. Crisálidas de inteligência nos setores mais obscuros da Na­tureza evolvem para o plano das inteligências frag­mentárias, onde se localizam os animais de ordem superior que, por sua vez, se dirigem para o reino da consciência humana, tanto quanto os homens, pouco a pouco, se encaminham para as gloriosas esferas dos anjos.
O instrutor, entretanto, voltou-se para o leito em que mãe e filho jaziam, íntimamente associa­dos, e sentenciou:
— Preocupemo-nos, porém, com o serviço da hora presente. Estudemos o caso sob nossa obser­vação para que o nosso dever de solidariedade seja bem cumprido.
O apontamento reajustou-nos.
Hilário que, tanto quanto eu, se mostrava in­teressado em aproveitar a lição, fixando o quadro sob nossos olhos, pediu uma explicação tão simples quanto possível acerca da comunhão fisiopsíquica de Zulmira e Júlio naquele instante, ao que Cla­rêncio respondeu, após refletir alguns momentos:
— Imaginemos um pêssego amadurecido, lan­çado à cova escura, a fim de renascer. Decomposto em sua estrutura, restituirá aos reservatórios da Natureza todos os elementos da polpa e dos de­mais envoltórios que lhe revestem os princípios vitais, reduzindo-se no imo do solo ao embrião mi­núsculo que se transformará, no espaço e no tem­po, em novo pessegueiro.
O ensinamento não podia ser mais lógico, mais preciso.
— Então, por isso — acrescentou Hilário, estu­dioso — é que as crianças desencarnadas recla­mam período de tempo mais ou menos longo para demonstrarem crescimento mental, como ocorre na existência comum...
— Isso acontece com a maioria — informou o Ministro —, de vez que há exceções na regra.
Em muitas circunstâncias, semelhante imposição não existe. Quando a mente já desenvolveu certas qualidades, aprimorando-se em mais altos degraus de sublimação espiritual, pode arrojar de si mes­ma os elementos indispensáveis à composição dos veículos de exteriorização de que necessite em pla­nos que lhe sejam inferiores. Nesses casos, o Es­pírito já domina plenamente as leis de aglutinação da matéria, no campo de luta que nos é conhecido e, por esse motivo, governa o fenômeno da própria reencarnação sem subordinar-se a ele.
Fitávamos o semblante calmo de Zulmira, que respirava serena, feliz.
— O problema de Júlio, no entanto — consi­derei —, afigura-se-nos bastante doloroso...
— Doloroso mas educativo, quanto o de mi­lhares de criaturas, cada dia, na Terra — ponderou Clarêncio, imperturbável. — Nosso companhei­ro vencido e enfermo, em razão de compromissos adquiridos na carne, na carne encontrará caminho ao próprio reajuste.
— E a questão da hereditariedade? — indagou meu companheiro, reverente. — Júlio, perdendo o corpo sutil em que chorava atormentado, ressur­girá na existência física sem a moléstia que o apoquentava, por herdar fatalmente os caracterís­ticos biológicos dos pais?
O orientador sorriu, de maneira expressiva, e asseverou:
— A hereditariedade, qual é aceita nos conhe­cimentos científicos do mundo, tem os seus limites. Filhos e pais, indubitávelmente, ainda mesmo quando se cataloguem distantes uns dos outros, sob o ponto de vista moral, guardam sempre afinidade magnética entre si; desse modo, os progeni­tores fornecem determinados recursos ao Espírito reencarnante, mas esses recursos estão condiciona­dos às necessidades da alma que lhes aproveita a cooperação, porque, no fundo, somos herdeiros de nós mesmos. Assimilamos as energias de nossos pais terrestres, na medida de nossas qualidades boas ou más, para o destino enobrecido ou tortu­rado a que fazemos jus, pelas nossas conquistas ou débitos que voltam à Terra conosco, emergindo de nossas anteriores experiências.
— Somos então levados a crer que Júlio trans­portará consigo a enfermidade que sofria em nosso plano, à maneira de alguém que, em se mudando de domicílio, não modifica o quadro orgânico... — observou Hilário, com sensatez.
— Isso mesmo — elucidou o Ministro, satis­feito —, o problema é de natureza espiritual. Durante a gravidez de Zulmira, a mente de Júlio per­manecerá associada à mente materna, influencian­do, como é justo, à formação do embrião. Todo o cosmo celular do novo organismo estará impregna­do pelas forças do pensamento enfermiço de nosso irmão que regressa ao mundo.
Assim sendo, Júlio renascerá com as deficiências de que ainda é por­tador, embora favorecido pelo material genético que recolherá dos pais, nos limites da lei de he­rança, para a constituição do novo envoltório.
Depois de breve pausa, concluiu:
— Como vemos, na mente reside o comando. A consciência traça o destino, o corpo reflete a alma. Toda agregação de matéria obedece a im­pulsos do espírito. Nossos pensamentos fabricam as formas de que nos utilizamos na vida.

Calou-se o instrutor.

Odila tomou a palavra comentando as suas esperanças para o futuro.
Conversamos de novo, animadamente.
E, logo após, uma prece do Ministro encerrava para nós a deliciosa reunião.




Do livro "ENTRE A TERRA E O CÉU", pelo espírito André Luiz - psicografia de Chico Xavier.

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