segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A JUSTIÇA DOS HOMENS E A JUSTIÇA DE DEUS

Retomar o tema da justiça nos parece apropriado especialmente diante do assombroso escândalo do mensalão que, por sinal, tem causado enorme perplexidade – pelo menos nas mentes mais lúcidas do país. Na verdade, tudo que está relacionado com esse caso é espantoso, ou seja, as cifras envolvidas (algo em torno de 173 milhões de reais), o número de acusados, os personagens envolvidos e – o que é mais decepcionante – a forma como o sistema judicial está lidando com ele. Infelizmente, o nefasto conluio entre corrupção e poder vem de longa data no Brasil. Desde os tempos do Império esse terrível mal da humanidade já estava ali presente. Apesar da profusão de leis e mecanismos de controle e governança, essa doença ainda não foi banida de nossa sociedade. De fato, ficamos com a impressão de que ela continua dando demonstrações vigorosas e contundentes de resiliência(1), haja vista a quantidade de escândalos que são divulgados quase que diariamente.


Mas voltando ao mensalão, no momento em que escrevemos estas linhas continuam pairando dúvidas quanto ao seu desfecho. Por ora, o sentimento prevalecente é o de que “A corrupção festeja esta vitória processual”, aliás, como bem retratou um recente editorial do jornal Folha de São Paulo. A revista Veja também se pronunciou de maneira pertinente ao declarar igualmente em editorial que “Agora, nenhum saber jurídico, nenhum exercício de retórica, nenhuma tecnicalidade pode apagar a sensação de desamparo ou minimizar o sentimento de que a Justiça brasileira, mais uma vez, falhou”. Consequentemente, só Deus sabe quando terminará o processo iniciado há oito anos. E como corretamente prevê o ditado popular: “Justiça que tarda é Justiça falha”.


Para nós pobres mortais que não galgamos o Olimpo do saber jurídico e que acompanhamos o longuíssimo e, muitas vezes, confuso e enfadonho julgamento, ficou a impressão de que suas excelências (os juízes) são seres humanos notoriamente passíveis de erros. Afinal de contas, vimos praticamente de tudo, isto é, atitudes incompatíveis com o decoro exigido pelo cargo (brigas e discussões públicas), observações e comentários que soavam mais adequados a um advogado do que a um prelado da suprema corte, falas elogiosas aos acusados, a pura e simples falta de objetividade no ato de julgar, altíssima dosagem de subjetivismo no entendimento da lei, divergências quanto à aplicabilidade da teoria do domínio do fato (na qual prevalece o pressuposto de que na falta de provas materiais robustas, a condenação se daria com base em indícios e em testemunhos, responsabilizando-se, por conseguinte, quem teria o comando e o benefício do crime, conforme esclarece o respeitável jurista Ives Gandra Martins), vaidades à flor da pele, egos inflados, inequívoca falta de ética de determinado membro – já que ele exerceu função subordinada a um dos réus anteriormente, entre outras coisas.

Não vamos entrar no mérito dos embargos infringentes já que a questão per se é alvo de ampla polêmica quanto à sua validade e efeito. Mas não podemos nos furtar a expressar que, se ela existe para a maioria dos membros da corte, na proporção apertadíssima de 6 para 5 como vimos, é porque, no mínimo, a lei não é suficientemente clara. A propósito, estamos depreendendo que suas excelências estejam absolutamente aptas para o exercício do cargo – mesmo assim cabe ressaltar que a escolha de ministros da suprema corte não obedece a critérios estritamente técnicos e meritocráticos – e que tenham feito, de fato, uma interpretação aceitável da sua aplicabilidade.

Como também observou o Espírito São Luís na referida obra: “A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária para que eles possam cumprir, por meio de uma ação material, os desígnios cuja execução Deus lhes confia [...]. Sendo soberanamente justo, Deus tem de distribuir tudo igualmente por todos os seus filhos; assim é que estabeleceu para todos o mesmo ponto de partida, a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir e a mesma liberdade de proceder. Qualquer privilégio seria uma preferência, uma injustiça. [...]”.

Contudo, não poucos se perdem ao longo do caminho redentor e abusam clamorosamente da sua liberdade. Mas chega a hora na qual os criminosos e delinquentes devem colher o mal que fizeram. Afinal de contas, “[...] A justiça de Deus é como o Sol: existe para todos, para o pobre como para o rico [...]”. Por conseguinte, conforme nos elucida Kardec na obra O Céu e o Inferno: “Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; se o não for em uma existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si [...]”. E muitos não se dão conta de tal impositivo porque se debruçam exclusivamente sobre os ganhos e vitórias fugidias da vida material.

Portanto, o caso do mensalão talvez esteja despertando grande decepção para os Espíritos aqui encarnados com inclinação ao bem e sequiosos de justiça, diante do rumo que as coisas estão tomando. No entanto, cumpre lembrar que “… a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. O culpado que ela atinge não fica exonerado, e, enquanto não houver satisfeito à justiça, sofre a consequência dos seus erros”. Desse modo, “[...] A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra: — tal é a lei da Justiça Divina”. Conclui-se, assim, que diante da perfeita e inexorável Justiça divina – na qual nem advogados vultosamente remunerados, nem magistrados mal intencionados ou improficientes podem influir – nenhum dos culpados escapará.


ANSELMO FERREIRA VASCONCELOS

(1) Resiliência, em sentido figurado, significa: resistência ao choque.

Artigo publicado no site www.oconsolador.com.br/ano7/335/anselmo_vasconcelos.html

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